Os avanços que serão obtidos pelo Brasil com a reforma tributária são inquestionáveis. A simplificação e transparência do sistema proposto nos levarão a padrões internacionais e condizentes com o País que é a 8ª Economia do mundo.
Contudo, a proposta apresentada até o momento leva a um aumento brutal da carga tributária do setor: dos atuais 9,74% de para 26,50%[1]. Essa mudança deverá levar a um aumento médio de 18% nas tarifas de água e esgoto. [2]
É preciso lembrar que mais da metade da população não possui cobertura de esgoto e cerca de 15% dos brasileiros não têm acesso à água tratada[3]. Nesse Brasil sem saneamento, quase 75% da população tem renda de até um salário-mínimo[4]. Ou seja, se o modelo proposto prevalecer, a população será duplamente impactada: com tarifas mais altas e com o potencial atraso no acesso a esses serviços essenciais.
O aumento previsto afetará inclusive a população beneficiária do mecanismo de cashback, que sofrerá com um aumento médio de 6,5% na tarifa.
O aumento na carga tributária do setor compromete toda a sociedade e põe em risco o pacto proposto pelo próprio Congresso Nacional por meio do Marco do Saneamento (Lei 14.026/2020), que estabelece como meta a universalização dos serviços até 2033.
Estudo elaborado pela Pezco Consultoria demonstra que em todos os cenários analisados com diferentes alíquotas (de 25% a 29%), o setor de saneamento tem perda de PIB – mesmo que a economia como um todo ganhe. O saneamento básico seria, portanto, um dos setores mais fortemente afetados pela reforma tributária, a não ser que tal impacto seja atenuado por meio da regulamentação.
Vale mencionar que o saneamento está em pleno processo de amadurecimento. Nos últimos quatro anos foram realizados 49 leilões de parcerias entre os entes públicos e privados. Esses recursos somados representam cerca de R$ 150 bilhões de investimentos contratados em 18 Unidades da Federação[5]. Atualmente, há 42 projetos em desenvolvimento com investimentos estimados em aproximadamente R$ 114 bilhões, beneficiando 40 milhões de brasileiros[6].
As alterações previstas na reforma tributária impactarão cerca de 4 mil contratos entre o poder público e os operadores públicos e privados do setor. Diferente de outros segmentos regulados de infraestrutura, como o setor elétrico e de telecomunicações, o saneamento possui UMA CENTENA de agências reguladoras.
A estrutura regulatória é altamente pulverizada, inclusive em relação aos recursos técnicos, financeiros e humanos. Tal situação eleva a insegurança jurídica e econômico-financeira para as operadoras do setor, levando à judicialização dos milhares de contratos.
Em todos os projetos – concedidos e em estruturação – há previsão de universalização dos serviços nos moldes da lei. A reforma tributária proposta ameaça essa evolução.
Saneamento como saúde: a necessária neutralidade tributária
Levantamento da AESBE e da ABCON SINDCON, com base nos dados do SUS, mostra que as doenças relacionadas à falta de saneamento foram responsáveis por cerca de 1 milhão de internações e mais de 200 mil óbitos nos últimos três anos. Do total de internações que tiveram alta por óbito, 10,7% foram ocasionadas por essas doenças. As despesas com as internações foram de cerca de R$ 2,2 bilhões no período.
A Organização Mundial da Saúde reafirma a relação entre saneamento e saúde e estima que a cada US$ 1 investido em saneamento se economiza US$ 5,50 em saúde. Ou seja, onerar o setor significa onerar os gastos públicos.
O setor de saneamento é proporcionalmente o setor de infraestrutura que tem a necessidade de maior investimento no país, alcançando quase R$ 900 bilhões[1], o que levará a um ganho de R$ 1,4 trilhão no PIB até 2033, com a criação de mais de 1,5 milhão de postos de trabalho no período[2]. Para além do acionamento da cadeia produtiva, com a universalização do saneamento, estima-se uma economia de R$ 25 bilhões com a melhoria das condições de saúde da população até 2040[3].
Assim, é imprescindível que haja equivalência do setor de saneamento ao setor de saúde, com redução de 60% do novo IVA, restaurando a lógica da neutralidade tributária.
Esta proposta teria um impacto de apenas 0,2 ponto percentual na alíquota do novo IVA.[4]
A economia gerada com os gastos da saúde e demais impactos positivos dos investimentos em saneamento em muito superam esse valor.
Reafirmamos o apelo aos Congressistas, aos técnicos que orientam os estudos da política tributária e à toda a sociedade civil para que se aprofundem sobre o tema e revejam o tratamento tributário que está sendo encaminhado ao setor de saneamento.
Saneamento é saúde e ninguém pode ficar para trás.