Investimento previsto, custo de captação de água e limites para cobrar pelo serviço pode afetar rentabilidade do setor de saneamento
O novo marco regulatório do setor de saneamento, instituído em julho de 2020, poderá contribuir para melhorar os indicadores da área, com a ausência de tratamento de esgoto a 100 milhões de brasileiros. Nas contas do Ministério do Desenvolvimento Regional, os investimentos anunciados na área aumentaram, em dois anos, de R$ 4,5 bilhões para R$ 45 bilhões, considerando as concessões realizadas nos últimos meses.
O maior projeto foi concedido pelo governo fluminense, que garantiu o compromisso de investimentos na universalização dos serviços de distribuição de água e esgotamento sanitário em 49 municípios pelos próximos 35 anos. A previsão é que as quatro regiões incluídas no edital – que concentram cerca de 13 milhões de pessoas – recebam, nesse período, investimentos de R$ 32 bilhões na expansão dos sistemas.
O último bloco concedido no Rio de Janeiro teve licitação conquistada ano passado pela Águas do Brasil. Recentemente, a Vinci Partners anunciou que se associará à concessionária no projeto. “Essa é nossa décima sexta concessão e deve elevar em 50% nossa receita”, diz Claudio Abduche, presidente da Águas do Brasil.
As operadoras privadas atendem direta ou indiretamente 15% da população, aponta documento da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto. A expectativa é atingir ao menos 40% até 2030. Os investimentos têm trazido mudanças, como na região Norte. Entre 2018 e 2021, o esgotamento em Manaus subiu de 19% para 26%. Já foram investidos mais de R$ 500 milhões de um total previsto superior a R$ 1 bilhão nos cinco primeiros anos de concessão. O objetivo é universalizar o abastecimento de água e ampliar o acesso ao esgotamento sanitário a 45% até 2025 e 80% até 2030.
As concessões chegam com tarifas de água e esgoto para a população. A inadimplência nas companhias abertas e nas concessionárias privadas tem sido baixa, abaixo de 4%, mas o modelo de concessões baseada em outorgas traz reflexões. “É razoável que o poder concedente queira cobrar um valor, como feito no Rio de Janeiro e em Alagoas, mas esse dinheiro vai para os governantes, não necessariamente para o setor. Não seria melhor fixar um valor pelos ativos não amortizados e uma menor tarifa para a universalização?”, questiona Jerson Kelman, primeiro diretor-presidente da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). “A tarifa tem de ser módica, tem de haver um equilíbrio para o usuário e a concessionária. A outorga pressiona”, diz Abduche, presidente da Águas do Brasil.
Este mês também traz um marco para a nova lei do saneamento: as companhias estaduais têm até o fim do março para ter validados seus planos de investimentos para alcançar a universalização dos serviços até 2033. O sócio-diretor da Una Partners, Daniel Keller, aponta que algumas empresas não entregaram os estudos de certificação em 2021: Acre, Amazonas (lembrando que Manaus é uma concessão), Tocantins (há bastante operação privada no Estado), Piauí, Roraima, Maranhão e Pará. “Outras têm contratos relevantes vencendo antes de 2033, como o caso da cidade de Natal, cujo contrato expira em 2026. A questão é se pode ou não prorrogar. Risco de judicialização é grande”, observa.
Para o economista Gabriel Galipolo, sócio da Galipolo Consultoria, a questão enseja cuidado, por ter impacto sobre as principais empresas do setor, subsídios cruzados existentes e dilemas. A regulação estipula universalização até 2033, o que demanda maior oferta de água e esgoto, ou seja, um custo marginal superior de investimento. Captar água hoje é mais caro que há 30 anos; em alguns casos, cobrança de esgoto não exige tarifa adicional para o serviço. Isso implica rentabilidade menor.
Fonte: Valor Econômico