Embora concordem com a necessidade de revisão do marco regulatório de saneamento, que completou dez anos em 2017, as entidades do setor discordam entre si sobre os termos que estão sendo propostos pelo governo federal. Para a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), se aprovada nas condições atuais, a medida provisória ou projeto de lei teria potencial para “destruir” o setor. Já o Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Sindcon) não enxerga necessidade de revisão das propostas, pois avalia que já seriam suficientes para trazer uma dinâmica diferente e mais moderna ao setor, abrindo espaço para maior avanço na cobertura dos serviços de água e esgoto.

“O governo federal não está tendo consciência de política pública”, afirma o presidente da ABES, Roberval Tavares de Souza, em entrevista ao Broadcast. Para a entidade, o ponto crucial da revisão do marco regulatório, que seria capaz de “desestruturar completamente” o setor, é a proposta de mudança no estabelecimento dos contratos de programa: antes de firmar contratos com as empresas estaduais, os municípios (poder concedente) seriam obrigados a fazer um chamamento público para verificar se há outros interessados em prestar os serviços e, dependendo do caso, realizar uma licitação.

De acordo com Souza, essa medida poderia acabar com a lógica do subsídio cruzado pela qual o setor opera. “Nos municípios superavitários provavelmente haveria concorrência, e nesse contexto você conseguiria otimizar o contrato e não sobraria recurso para subsidiar o município pequeno, deficitário. Já no município deficitário não haveria concorrência nem interessados, e ele acabaria necessitando dos recursos fiscais, do governo”. O presidente da entidade lembra ainda que, dos cerca de 5.500 municípios brasileiros, apenas 10% são superavitários.

Já o presidente do Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Sindcom), Alexandre Ferreira Lopes, entende que essa alteração regulatória ampliaria e diversificaria as propostas de prestação dos serviços de água e esgoto, podendo acelerar a universalização do saneamento básico e melhorar a qualidade dos serviços. “Defendemos que haja uma isonomia competitiva. Por que com uma companhia estadual o município pode fazer contrato sem licitação e com o privado é sempre por licitação?”, questiona. Atualmente, a contratação dos serviços de saneamento entre município e Estado não exige licitação.

Ainda de acordo com o presidente do Sindcom, a iniciativa privada atua em saneamento em 322 municípios (6% do mercado), sendo que 72% deles têm população inferior a 50 mil habitantes. “Nos municípios pequenos, conseguindo estruturar um projeto adequado, a operação é viável”.

Eduardo Gurevich, sócio do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri, avalia positivamente a mudança proposta pelo governo, pois tenderia a aumentar a participação da iniciativa privada no setor. “O que o setor privado vem sentido é que a grande barreira para o aumento dos investimentos privados em saneamento é o contrato de programa”. Ele afirma que, desde que a Lei de Consórcios instituiu o mecanismo, as empresas acabam não conseguindo fazer os investimentos e ampliar as metas de cobertura. “Há tanto espaço no setor, a iniciativa privada é mais uma a colaborar com a universalização dos serviços. Ainda vamos precisar das companhias estaduais e das entidades autárquicas municipais, é um conjunto de esforços”.

Medida Provisória

Além do artigo envolvendo os contratos de programa, a ABES também defende de forma veemente que a revisão do marco regulatório seja feita através de um Projeto de Lei, e não pela edição de uma Medida Provisória. “O Projeto de Lei é um instrumento melhor para esse tipo de tema, seria mais democrático, já que deve seguir os trâmites legais na Câmara”.

Roberval Tavares de Souza conta que esses dois pontos geraram fortes preocupações no setor. No ano passado, a entidade chegou a enviar uma carta ao Ministério das Cidades com suas sugestões relacionadas ao texto, tendo inclusive realizado uma reunião com o órgão, mas não tiveram resposta. “Mas sabemos que isso está andando”, diz.

Já Eduardo Gurevich defende um encaminhamento mais rápido do assunto. “Se for enviado um Projeto de Lei, isso pode ser discutido no Congresso por mais de 10, 15 anos”, comenta.

Fonte: Agência Estado

Letícia Fucuchima – [email protected]