Por Teresa Vernaglia*

O Brasil convive com crises hídricas de forma cíclica. Apesar da aclamada abundância de água, precisamos reconhecer que se trata de um insumo finito, e as mudanças climáticas têm afetado drasticamente as nascentes e os volumes dos rios. No entanto, o setor de saneamento, que atua diariamente na gestão desta matéria-prima preciosa e ameaçada, pode contribuir para quebrar estes ciclos de insegurança hídrica.

O Relatório Especial sobre Seca 2021 (originalmente Special Report on Drought 2021), publicado pela ONU em junho, alerta para essa crise global, que pode se tornar “a próxima pandemia” se os países não tomarem medidas urgentes para uma melhor gestão da água.

Pelo menos 1,5 bilhão de pessoas foram diretamente afetadas pela seca neste século, e o custo econômico ao longo desse período foi estimado em US$ 124 bilhões pela ONU. A maior parte do mundo conviverá com o “estresse hídrico” nos próximos anos, e a demanda superará a oferta de água em certos períodos.

A falta de água, como sabemos, impacta diretamente a saúde e a qualidade de vida; do ponto de vista econômico, afeta todos os setores. É significativa na degradação dos biomas, no declínio das atividades agropecuárias, na dificuldade de gerar energia elétrica e nos reflexos de todos estes fatores na inflação, elevando preços de produtos e serviços em geral. Uma seca pode reduzir em mais de 12% o crescimento de uma cidade, alerta o Banco Mundial.

A atual crise se sobrepõe aos desafios que o saneamento brasileiro já enfrenta. Temos 35 milhões de pessoas sem abastecimento de água e 100 milhões sem esgotamento sanitário. O Brasil perde cerca de 40% da água que coleta no sistema de abastecimento — um índice bastante alto, que pode ser reduzido com medidas abrangentes, em parceria com toda a sociedade.

Portanto, o cenário atual traz também a oportunidade de repensarmos a gestão hídrica, uma questão primordial na estratégia ESG das companhias de saneamento. O caminho mais eficiente é o da inovação, seja incremental, seja disruptiva.

No caso da inovação incremental, precisamos seguir aprimorando continuamente os nossos investimentos no sentido de ganhar eficiência e combater as perdas. A cidade de Limeira (SP) é exemplo neste quesito. Ao longo dos últimos 25 anos, a população do município praticamente dobrou, o que naturalmente faz aumentar a demanda por água. Apesar disso, o volume de água captado para atender os atuais 300 mil habitantes é o mesmo de 25 anos atrás. Como isso foi possível?

Limeira está entre os três municípios brasileiros com índices de perdas de água abaixo dos 15%, graças a investimentos contínuos e aplicação de tecnologia de ponta para evitar vazamentos, gestão qualificada e visão de longo prazo, medidas que garantem uma infraestrutura resiliente e respeito ao meio ambiente.

A sustentabilidade faz parte do DNA das operações de saneamento. A gestão inteligente e eficiente ajuda a proteger os mananciais, preservar os recursos naturais, recuperar rios e ampliar o tratamento do esgoto, mitigando os riscos de racionamentos hídricos e energéticos e, sobretudo, favorecendo a população.

Por falar em energia, tem crescido no nosso setor a adoção de plantas solares e a aquisição de energia renovável incentivada no mercado livre, em favor de uma matriz energética nacional mais equilibrada e menos vulnerável no longo prazo.

Com relação à inovação disruptiva, a busca é constante: o que devemos fazer para mudar de patamar e quebrar o círculo vicioso das crises hídricas? As parcerias com startups, por exemplo, costumam trazer novo oxigênio às operações e deixar no passado os padrões que não atendem mais as demandas globais.

Investir em transformação digital também é imprescindível. Atualmente, há várias tecnologias de ponta que monitoram os sistemas de distribuição de água em tempo real e identificam eventuais anomalias antes mesmo que ocorram. Com informações qualificadas, análise de algoritmos e uso de inteligência artificial, é possível atuar e medir a efetividade das equipes em campo no combate aos vazamentos e perdas.

O saneamento brasileiro tem uma meta ambiciosa a cumprir: universalizar os serviços até 2030. Serão necessários investimentos de R$ 700 bilhões neste período para alcançarmos o objetivo. Os leilões realizados desde a aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento, há pouco mais de 1 ano, já levantaram cerca de 60 bilhões, entre investimentos e outorgas.

A escassez hídrica é mais um grande desafio que se sobrepõe às nossas atividades diárias. Por isso, o propósito deve ser, sempre, ir muito além do básico. Essa jornada envolve, naturalmente, diversos segmentos econômicos, políticas públicas e conscientização coletiva para que tenhamos sucesso e não falte água nas torneiras.

* Teresa Vernaglia é CEO da BRK Ambiental e presidente da ABCON SINDCON

 

Fonte: O Globo