Associações de vários setores da infraestrutura procuraram o governo para pedir mais atenção ao caso da Linha Amarela no Superior Tribunal de Justiça (STJ). As entidades adotaram o discurso de que a decisão tem impactos muito além da Invepar, titular da concessão encampada pela Prefeitura do Rio. Para elas, caso o ato da gestão Marcelo Crivella (Republicanos) seja endossado pelo STJ, haverá reflexos negativos na busca por investidores estrangeiros em futuros leilões ao elevar a percepção de insegurança jurídica.
O desejo é que a Advocacia-Geral da União (AGU) se posicione no julgamento e fale aos ministros do tribunal, em nome do governo, sobre os potenciais impactos à imagem do país como garantidor de contratos na área de infraestrutura. Na Esplanada dos Ministérios, contudo, há resistências a assumir essa postura.
Politicamente, o presidente Jair Bolsonaro é aliado de Crivella e já declarou apoio à sua reeleição. Ao mesmo tempo, representantes do governo avaliam reservadamente que atender aos apelos da iniciativa privada e atuar como parte interessada no processo pode ser um “tiro no pé”.
Se o STJ der sinal verde à encampação da Linha Amarela pela Prefeitura do Rio, o discurso da União será de que se trata de um movimento isolado e que não reflete o histórico positivo das concessões federais. Entrar no meio do julgamento, segundo fontes do governo Jair Bolsonaro, poderia gerar ainda mais confusão na cabeça de investidores estrangeiros com pouco conhecimento sobre Brasil.
O presidente da Associação Nacional das Empresas Administradoras de Aeroportos (Aneea), Dyogo de Oliveira, afirma que o julgamento não está sendo olhado pelos investidores como um caso apenas da Invepar ou do segmento de rodovias. “A postura do Rio foi muito dura e tomada em bases muito questionáveis. Gera insegurança jurídica enorme para outras concessões e transmite a mensagem de que nenhum contrato assinado no país está livre do risco de sofrer alguma ruptura.”
Em outubro de 2019, Crivella rompeu unilateralmente o contrato da via expressa. Dois dias depois, o prefeito mandou que as cancelas de pedágio fossem derrubadas com retroescavadeiras.
A administração municipal argumenta que, entre 1998 e 2018, passaram pela Linha Amarela cerca de 151 milhões de veículos a mais do que o projetado na modelagem econômica da concessão. Com isso, teria havia ganhos indevidos da concessionária. Projeto de lei prevendo a encampação foi aprovado pela Câmara dos Vereadores, mas houve judicialização.
A prefeitura sofreu derrotas judiciais até o caso chegar ao STJ, onde o ministro Humberto Martins deu liminar favorável ao município, alegando que havia uma garantia de R$ 1,3 bilhão à disposição da empresa. Ao iniciar o julgamento do mérito, na Corte Especial do STJ (composta pelos 15 ministros mais antigos), Martins seguiu a mesma linha. A análise foi suspensa e a expectativa é de uma retomada ainda neste mês.
“Se o poder concedente não concorda com os aditivos contratuais ou acha que os pedágios estão muito caros, o caminho para contestar isso é um processo de caducidade da concessão”, diz o presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Marco Aurélio Barcelos. Esse tipo de processo obedece a normativos legais e têm ritos previstos em contrato.
“Os investidores estão com as barbas de molho, mas o mercado e o poder público ainda não se deram conta da gravidade do assunto. Quando chega a um tribunal superior, espera-se uma resposta institucional. Se tivermos o STJ reconhecendo que uma atitude assim é válida, teremos um precedente nefasto, teremos o Judiciário chancelando o jeitinho.”
Na esteira da Linha Amarela, deputados estaduais pediram ao governador interino do Rio, Cláudio Castro (PSC), a extinção de outro contrato, o da Via Lagos (RJ-124), estrada operada pelo grupo CCR. A encampação precisa partir de projeto oriundo do Poder Executivo.
Um dos segmentos mais preocupados é o de saneamento, que acaba de ganhar um novo marco legal e espera atrair dezenas de bilhões de reais em investimentos privados. Diferentemente de outras áreas de infraestrutura, trata-se de um nicho que lida essencialmente com entes subnacionais – Estados e municípios.
“Somos muito mais suscetíveis aos humores de um novo prefeito ou um novo governador”, afirma o diretor executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), Percy Soares.
No saneamento, os aportes são bilionários e concentrados no curto prazo, mas os contratos costumam atravessar várias gestões diferentes. A confiança do investidor, segundo ele, é que o Judiciário funcione como uma barreira de última instância a medidas populistas. “Como a gente faz se não houver segurança com o contrato assinado?”.
Em Alagoas, um grupo pagou R$ 2 bilhões de outorga pela concessão em Maceió e 12 cidades da região metropolitana, sem mexer na tarifa. E se algum governador, no futuro, não gostar? “No mínimo, o investidor vai precificar esse risco nos leilões”, diz Soares.
Fonte: Valor Econômico