O mercado privado de água e tratamento de esgoto aumentou a participação de 5% para 30% dos municípios brasileiros, desde 2020, quando o Marco Legal do
Saneamento foi aprovado (Lei Federal nº 14.026/2020). Com o avanço de concessões – como no caso da empresa do estado de São Paulo – e parcerias público-privadas (PPPs) com municípios e estados Brasil afora no último ano, 1.648 cidades brasileiras passaram a ser atendidas por grupos privados, ante 291 em 2019, segundo levantamento da Abcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto).
“O setor de saneamento básico no Brasil vive um momento desafiador, mas com perspectivas promissoras para atrair investimentos e impulsionar o desenvolvimento”, destaca Christiane Dias, presidente da Abcon. Para 2025, a previsão é de 27 processos licitatórios que abrangerão 855 municípios em todas as regiões do país, com investimentos estimados em R$ 72,4 bilhões.
“O setor espera um aumento significativo nos investimentos, com muitos projetos em fase de estruturação finalmente saindo do papel.” Entre os leilões mais aguardados estão os de Goiás, Pará, Paraíba, Pernambuco e Rondônia.
“Houve um impulso significativo nos últimos quatro anos e meio”, afirma Dias. Na análise do setor, esses avanços proporcionaram maior segurança jurídica, competitividade e sustentabilidade, tornando o ambiente mais atrativo para investimentos privados. “O novo marco estabeleceu pilares como concorrência, regionalização e diretrizes regulatórias nacionais, sob a atuação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).”
O diretor-executivo de Estratégia e Investimentos da Iguá Saneamento, Gabriel Montagnini, confirma que o avanço de 466% na participação de empresas privadas no setor reflete as condições propícias criadas pelo Marco Legal do Saneamento. “Essa legislação estabeleceu bases sólidas para atrair investimentos, via concessões, PPPs e privatizações, como os lotes de PPPs da Sanepar (Companhia de Saneamento do Paraná), a concessão no estado de Sergipe e a privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), no ano passado”.
Montagnini sinaliza que ajustes são necessários, como a inclusão de medidas específicas na reforma tributária para impulsionar o setor. “O cenário atual é
promissor. Ele possibilita que as empresas contribuam de maneira mais assertiva para ampliar significativamente o acesso à água e ao saneamento básico”, diz ele, que considera esse período como histórico para o setor.
“Os esforços para a inclusão sanitária de pessoas em vulnerabilidade social são fundamentais para atingir as metas de universalização estabelecidas no Novo Marco do Saneamento, principalmente quando falamos dos desafios em viabilizar o acesso em um país como o Brasil, com diferentes realidades geográficas, culturais e socioeconômicas”, pontua o diretorexecutivo da Aegea, Radamés Casseb.
A Aegea disputou os grandes leilões de 2024 no setor: Sergipe, Piauí e PPPs da Sanepar. Saiu vencedora nos dois últimos. A empresa era apontada como grande competidora na privatização da Sabesp, mas acabou não fazendo proposta.
Os investimentos estimados nos próximos anos para a universalização giram em torno de R$ 893 bilhões, segundo estimativa da Abcon, o que reforça o caminho para a complementariedade entre a iniciativa privada, o poder público e a atração de capital, salienta Casseb.
“Sabemos que o poder público, isolado, não tem condições de atender a essa demanda. O setor privado desempenha um papel essencial, fomentando inovação, capital e expertise para transformar o cenário de saneamento no país”, corrobora Montagnini.
Dados da Abcon ilustram o crescimento nos investimentos realizados no setor após a aprovação do marco legal: ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤ
- 2020: R$ 17,3 bilhões em investimento
- 2021: R$ 20 bilhões
- 2022: R$ 24,5 bilhões
- 2023: 27,9 bilhões
- 2024: R$ 34 bilhões
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Os valores referentes aos dois últimos anos, aponta o órgão, são cálculos sujeitos a alterações e foram ajustados pelo IPCA até novembro de 2024.)
Para Abcon, custo de capital elevado é possível entrave para crescimento
Mesmo com os avanços, o mercado privado elenca possíveis entraves ao aumento da participação no setor de saneamento, como a heterogeneidade regulatória. “Há mais de 100 agências reguladoras infranacionais com capacidades variadas, o que torna a harmonização das normas um grande desafio”, explica o setor.
A ANA já publicou 11 normas de referência, mas a Abcon defende a necessidade de “fortalecer técnica e institucionalmente as agências reguladoras locais e regionais, que têm papel essencial na aplicação das normas.” Além disso, o financiamento de projetos é dificultado, segundo o órgão, pelo custo de capital elevado.
“A alta taxa Selic encarece a captação de recursos para o setor. Instrumentos como as linhas de financiamento do FGTS e BNDES, além das debêntures incentivadas, são essenciais e devem ser fortalecidos para oferecer condições de crédito compatíveis com os prazos do setor”, argumenta a associação.
Na lista, também aparece a reforma tributária, que estabeleceu um aumento da carga tributária no setor de 9,74% para uma alíquota padrão estimada em 28,5% a partir de 2026. “Isso deve acarretar um aumento médio de 18% nas tarifas de água e esgoto e exigirá o reequilíbrio econômico-financeiro de cerca de 4 mil contratos de operadores públicos e privados, em um processo longo e complexo”, afirma a presidente da Abcon.
A Lei 14.898/2024, que entrou em vigor em dezembro, determina desconto de 50% na tarifa de água e esgoto para usuários cadastrados em programas sociais, desde que o consumo seja limitado a 15 metros cúbicos por mês.
“Há uma dificuldade prática em reequilibrar os contratos para implementar essa política, conforme determina a própria lei”, argumenta Dias.
Fonte Matéria/Imagem: Gazeta do Povo