Considerando somente as concessões de blocos regionais, em estruturação pelo BNDES, há potencial de R$ 59 bilhões
Christianne Dias: “A expectativa para 2025 é que a contratação seja mais volumosa”
Os leilões de água e esgoto programados para 2025 têm potencial de gerar R$ 69 bilhões de novos investimentos, em 13 Estados do país, segundo dados da Abcon (Associação Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Considerando apenas as concessões de blocos regionais, em estruturação pelo banco de fomento, há um potencial de R$ 59 bilhões em novas obras. Outros R$ 10 bilhões se referem a projetos municipais ou iniciativas modeladas por outros órgãos.
No mercado, os principais fatores de preocupação são o volume de investimentos necessário para viabilizar tantos novos projetos — dado que os operadores atuais já têm uma série de obras a serem entregues e estão com indicadores de alavancagem financeira elevados — e o cenário de juros altos.
Mas há uma avaliação de que ainda haverá interesse pelos leilões, principalmente dos grupos consolidados no setor, que têm vantagens competitivas e grande capacidade de levantar recursos.
Os projetos de Pará e Pernambuco são os mais maduros do BNDES. O banco projeta que os serviços de água e esgoto dos dois Estados irão a leilão no primeiro semestre de 2025. No caso do Pará, a previsão é lançar o edital ainda em 2024. A publicação sobre o certame de Pernambuco, porém, deve ficar para o início de 2025.
“Há muitos projetos interessantes em estruturação. 2024 foi um ano produtivo em termos de novos projetos, e a expectativa para 2025 é que a contratação seja mais volumosa”, afirma Christianne Dias, diretora-executiva da Abcon.
Em 2024, o principal destaque do setor foi a privatização da Sabesp, que passou a ter a Equatorial como acionista de referência. Entre as concessões de maior porte, os principais projetos contratados foram o de Sergipe, conquistado pela Iguá; o do Piauí, arrematado pela Aegea; e as três PPPs (Parcerias Público-Privadas) da Sanepar, que ficaram com Acciona, Aegea e Iguá — leilões que somaram R$ 18 bilhões em investimentos.
Neste ano, alguns novos atores despontaram: além da Acciona, a Sacyr disputou as PPPs da Sanepar; o Pátria participou do leilão de Sergipe; e a francesa Veolia chegou a estudar a privatização da Sabesp. A própria companhia privatizada se tornou um potencial novo concorrente de peso nas licitações.
Ainda assim, há uma perspectiva de que será necessário atrair mais capital aos projetos — o que provavelmente se dará via aquisições, formação de consórcios ou injeções de capital nos operadores tradicionais, avaliam atores que acompanham o setor.
“Já está vindo gente nova. Provavelmente haverá consórcios com operadores que estão no país, mas trazendo novos investidores. Em princípio, temos detectado apetite para todas as concessões. Mas a estruturação do BNDES envolve ouvir o setor privado, a licitação só sai depois da avaliação de potencial de mercado”, afirma Nelson Barbosa, diretor de planejamento e relações institucionais do BNDES.
Tal como no setor de rodovias, novos atores financeiros devem entrar em saneamento, avalia Luciene Machado, superintendente da área de soluções para cidades do banco. “Em especial nos projetos maiores, que exigem cheques robustos, vai ter cada vez mais agentes financeiros. Sabemos que alguns dos que passaram a frequentar o setor de rodovias estão estudando saneamento.”
Outro movimento identificado pelo BNDES no caso de blocos menores, em Estados como Pará, Pernambuco e Rondônia, é a atração de atores regionais. “Há blocos com desafio de investimento menor, com características específicas, que podem atrair ‘players’ locais, operadores de infraestrutura, de saneamento, mas com concessões menores, projetos de locação de ativos. Já identificamos esse perfil em sondagens”, diz Machado.
Para Cláudio Frischtak, sócio-fundador da Inter.B Consultoria, os leilões previstos para 2025 vão atrair investidores, mas sem concorrência acirrada. Ele avalia que a turbulência no cenário macroeconômico, com alta de juros e do dólar, deve afastar atores externos. “A instabilidade econômica e a alta do custo de capital afetam a disposição dos investidores em entrar no mercado. A percepção de risco aumenta em tempos de turbulência econômica, o que pode desencorajar novos investimentos”, diz.
A advogada Ana Cândida, sócia da BMA Advogados, ressalta que o cenário é especialmente desafiador para o setor de infraestrutura, no qual os primeiros 5 a 7 anos são determinantes para os projetos, com a contratação de obras e captação de recursos.
Do ponto de vista jurídico, ela diz que o efeito será de um investidor mais atento a como os riscos serão mitigados ou compartilhados nos contratos. “Num ano em que o pipeline vai estar tão ativo e que novos projetos vão ser trazidos ao mercado, o investidor deverá ser ainda mais criterioso”, diz.
Ewerton Henriques, sócio da SH Consultoria, afirma que haverá interesse do mercado, principalmente dos operadores consolidados, mas que os projetos em estudo terão que se adequar à nova realidade macroeconômica.
Em relação ao cenário de juros mais desafiador, Barbosa, do BNDES, afirmou que para os leilões previstos para 2025, a demanda por financiamento deverá se concretizar mais para o fim do próximo ano, quando a perspectiva deve ser mais favorável: “Tem um tempo até ganhar o leilão e depois pedir financiamento. Dentro do cronograma que estamos propondo de leilões, essas demandas vão se materializar a partir do segundo semestre do ano que vem”.
Machado também diz que há ferramentas para viabilizar projetos que se revelem mais desafiadores, como aportes ou poder público assumir parte das obrigações.
Para os especialistas, porém, o cenário dificulta a atração de novos grupos. “[Os leilões] vão continuar atraindo, mas serão investidores que já são incumbentes de concessões de saneamento ou áreas reguladas em outras atividades que, portanto, já entendem como é estar debaixo de guarda-chuva regulatório”, afirma Frischtak.
Henriques avalia que Aegea e Iguá deverão seguir dominando as grandes licitações do setor. “Há dificuldade para novos entrantes competirem com quem já está atuando, dadas as economias de escalas de ‘players’ como Iguá e Aegea, que têm uma capacidade de aquisição de insumos e de gerenciamento que o resto do mercado não tem”, afirma. Além disso, são grupos com acionistas fortes e capacidade de levantar recursos, diz.
Frischtak também ressalta que, embora a legislação brasileira seja boa, apesar de não ser “perfeita”, a regulação do setor de saneamento ainda é frágil, especialmente no âmbito de Estados e municípios.
Este é um fator que ainda afugenta muitos investidores, afirma Henriques. “Entre fundos há uma dificuldade de entender o setor e capacidade de gerir os riscos. As reclamações típicas dos fundos são questões que esses operadores consolidados já absorveram.”
A Aegea disse, em nota, que monitora atentamente as novas oportunidades, avaliando licitações em todo o país. A Iguá informou, em nota, que analisa e avalia constantemente novas oportunidades de concessões e parcerias público-privadas.
Fonte: Valor