O lodo é uma mistura heterogênea, incluindo matéria orgânica, microorganismos, fragmentos de sólidos inorgânicos e água residual. No setor de saneamento, é um dos principais resíduos produzidos nas operações de Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) e de Estações de Tratamento de Água (ETAs). Sua composição variada é um reflexo da diversidade de elementos presentes nos processos dessas instalações.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), menos de 5% do lodo sanitário é reaproveitado no país. Com a busca pela universalização dos serviços de saneamento básico no país, o lodo gerado por ETEs e ETAs representa um desafio e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para as empresas do setor. Com o compromisso cada vez maior com as boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) no setor empresarial, cabem às operadoras o desenvolvimento de modelos de gestão mais sustentáveis.
O lodo sanitário pode conter substâncias poluentes, com potencial para causar impactos negativos a pessoas, animais e ao meio ambiente, por meio de microorganismos que devem ser reduzidos a níveis que não apresentem riscos à saúde. Por outro lado, o lodo de esgoto apresenta quantidade significativa de matéria orgânica e de nutrientes que são essenciais, por exemplo, para na agricultura e na recuperação de solos erodidos e de áreas degradadas.
Neste artigo, apresentamos algumas soluções desenvolvidas por empresas privadas de saneamento que contribuem para um uso mais sustentável do lodo, inserindo o setor na agenda de boas práticas ESG.
Gestão do lodo sanitário no Brasil
A gestão do lodo produzido pelas atividades de saneamento é regulamentada pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10), que estabelece as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis. O uso do material resultante do esgoto doméstico também segue as diretrizes da Resolução nº 498/20 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
O reaproveitamento do lodo sanitário tem sido objeto de pesquisas por empresas e instituições acadêmicas sobre a viabilidade de uso do lodo gerado no tratamento de esgoto e de água. Diversas aplicações têm sido estudadas, de modo que resultem em menos impactos ambientais causados pelo seu descarte inadequado.
5 produtos que podem ser fabricados com lodo de esgoto
- Tijolos e cerâmicas
- Agregado leve para construção civil
- Cimento
- Fertilizante orgânico e compostagem
- Material para recuperação de solos degradados
Uso do lodo como adubo para pasto
Na Iguá Saneamento, cinco concessionárias da holding – Agreste Saneamento, Atibaia Saneamento, Spat Saneamento, Iguá Rio e Águas Cuiabá – utilizam o lodo resultante das operações de suas ETEs e de ETAs para diversas finalidades. A Águas de Cuiabá utiliza o material produzido pelas ETEs da capital do estado para a produção de fertilizantes agrícolas de alta qualidade, em uma iniciativa realizada em parceria com a prefeitura e a Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer-MT).
O biossólido é doado gratuitamente a agricultores familiares, que vêm obtendo resultados significativos para tornar o solo mais fértil. Em 2022, cinco toneladas do insumo fornecidas pela empresa foram utilizadas na plantação de capim-açú usado em pasto. O resultado foi um aumento de 150% na produção leiteira.
Produção de tijolos e cerâmicos com o lodo
A Agreste Saneamento, empresa da holding Iguá Saneamento responsável pelo abastecimento de 10 municípios de Alagoas desde 2018, também destina os resíduos das ETAs de forma sustentável. Após o tratamento com a retenção de resíduos resultantes dos processos físicos e químicos, o lodo vira matéria-prima para a produção de cerâmicas e tijolos ecológicos. Empresas licenciadas parceiras da concessionária já produziram milhares de tijolos, amplamente utilizados na construção civil.
Além dos tijolos, o insumo também é usado na fabricação de mantas biodegradáveis (geobags), responsáveis pelo processo de secagem do resíduo, por meio de uma parceria firmada com a Secretaria da Agricultura de Arapiraca. O material é doado doadas, junto com as indicações de uso a produtores rurais e, podem ser utilizadas para forragem do solo, técnica conhecida como “mulching”, que possibilita otimizar o trabalho do produtor. A técnica, ideal para regiões de clima semiárido, reduz custos e proporciona até 40% de economia de água na agricultura para o cultivo de hortaliças folhosas.
No interior de São Paulo, a Atibaia Saneamento reaproveita 100% das 40 toneladas mensais de lodo gerado nas ETEs. O material é encaminhado para uma organização parceira da companhia, responsável pela compostagem e produção do adubo orgânico. A utilização do fertilizante tem proporcionado ganhos significativos para o produtor rural, gerando uma economia de até 50% em relação ao uso de adubo sintético.
Lodo na geração de energia
A Prolagos, do Grupo Aegea, iniciou em 2022 um projeto na ETE da Prolagos em Arraial do Cabo (RJ) que tem como objetivo de processar o lodo resultante do tratamento de esgoto doméstico em insumos para a geração de energia. Por meio de uma Unidade de Tratamento de Resíduos (UTR), o resíduo se transforma em gás biocombustível e em um tipo de carvão vegetal, denominado biochar, utilizado na agricultura para recuperar solos degradados e em processos de sequestro de carbono.
O trabalho é realizado por meio de financiamento da concessionária e da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia e Inovação, em parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Prefeitura Municipal de Arraial do Cabo.
Por meio dessa tecnologia, o lodo passa por um processo chamado de “pirólise lenta a tambor rotativo”, com a decomposição termoquímica da matéria, feito na ausência de oxigênio. O gás produzido é filtrado e enviado para queimadores ou moto geradores para geração de energia. Uma parte do combustível retorna para alimentar o processo, o que evita a produção de gases poluentes ou tóxicos.
Investimentos em estações sustentáveis
A concessionária Águas de Juturnaíba, do Grupo Águas do Brasil, investiu R$ 31 milhões na ETE Ponte dos Leites, localizada em Araruama (RJ). A instalação foi projetada para ser totalmente aderente aos princípios de economia circular, com reaproveitamento de 100% do lodo gerado nas operações.
Os resíduos provenientes dos 20 milhões de litros de esgoto tratados diariamente pela unidade são utilizados para a produção sustentável de tijolos artesanais e de biofertilizantes desenvolvidos pela equipe da concessionária, o que evita a sobrecarga de dos aterros sanitários. Os tijolos são utilizados principalmente na recuperação do sistema de coleta de esgoto e na pavimentação das estações da empresa. Em 2022, a empresa destinou 3.760 toneladas de lodo para finalidade, o que equivale a 84% do total produzido.
Além disso, parte do resíduo também é destinada para o projeto Ecofibras, realizado em parceria entre a Águas de Juturnaíba e a cooperativa Nós da Trama. A iniciativa promove a capacitação de adolescentes de escolas públicas e pessoas com deficiências intelectuais e motoras.