Em entrevista ao Brasil 61, Percy Soares Neto, Diretor-executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON SINDCON), afirma que é necessário abrir um diálogo com o atual governo sobre o formato da complementaridade de recursos públicos e como estruturar a parceria de recursos públicos e privados.

O Brasil tem 10 anos para universalizar o acesso dos cidadãos ao saneamento básico. O Marco Legal do Saneamento, Lei 14.026/20, prevê que, até 2033, 99% da população brasileira deve ter acesso à rede de água tratada e 90% devem ter acesso à coleta e tratamento de esgoto. Atualmente, no entanto, esse cenário é bastante diferente: mais de 15% da população brasileira não têm acesso à água tratada e 44% não têm acesso à coleta e tratamento de esgoto, de acordo com dados da 14ª edição do Ranking do Saneamento, publicado pelo Instituto Trata Brasil.

O País possui grande potencial para atrair investimentos privados e melhorar os índices atuais, e a Lei 14.026/20 trouxe segurança jurídica para impulsionar o avanço do setor. “O novo Marco legal impulsionou mais mercado para os operadores privados e também o impulsionou uma transformação nas próprias empresas públicas tanto nos seus sistemas de gestão quanto de governança, preparando, paulatinamente, essas empresas para o ambiente competitivo”, aponta o Diretor-executivo da ABCON SINDCON, Percy Soares Neto.

Segundo o estudo “Benefícios Econômicos e Sociais da Expansão do Saneamento Brasileiro 2022”, publicado recentemente pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a consultoria Ex Ante, a universalização do saneamento básico pode gerar mais de R$ 1,4 trilhão em benefícios socioeconômicos para o Brasil em menos de 20 anos. As áreas que mais podem se beneficiar são: saúde, educação, produtividade do trabalho, turismo e a valorização imobiliária.

Mas o que já pode ser notado no setor, com o novo Marco Legal? Quais são as expectativas e desafios do setor a partir de agora? Qual a importância do Marco Legal? Confira na íntegra a entrevista com o diretor-executivo da ABCON SINDCON, Percy Soares Neto.

Brasil 61: Qual a expectativa do setor para os próximos quatro anos, principalmente quanto ao andamento do marco legal do saneamento básico? As estimativas de que a participação da iniciativa privada deve continuar evoluindo?

Percy Soares: Sim, a nossa perspectiva é que o setor continue avançando. É natural da democracia, quanto à mudança de governo, que adequações de rumo sejam feitas. Eu acho que é um reconhecimento pelo que a gente tem escutado do novo governo, da importância entre a complementaridade de recursos públicos e privados no processo de universalização do saneamento. Falta uma discussão ainda, que é o que a gente espera fazer com o governo, qual é o formato dessa complementaridade? Então, acho que não há dúvidas de que saneamento é uma pauta importante, não há dúvidas que nós precisamos trabalhar sobre o déficit, principalmente de coleta e tratamento de esgoto. Agora, como vamos fazer isso? Como vamos estruturar a parceria de recursos públicos e privados para enfrentar esse desafio? É a questão que se coloca aí no debate com o novo governo.

Brasil 61: Você acredita que o setor evoluiu desde a entrada em vigor do marco? Qual é a dimensão disso?

PS: Eu acho que é um amadurecimento do setor, eu acho que a competição trazida com o fim dos contratos de programa tirou muitas empresas públicas da zona de conforto. Essas empresas tiveram que olhar para o seu processo de gestão, o seu processo de governança, para a sua dinâmica de eficiência e sair dessa zona de conforto. Houve, sem dúvida nenhuma, um conjunto de iniciativas de busca de parceiros privados que trouxeram a contratação, nos últimos três anos, de aproximadamente R$ 80 bilhões de investimento. Eu acho que a perspectiva agora é de poder, do lado público, viver essa transição e, do lado privado, avançar no mercado.

Brasil 61: O que você acha que precisa ser feito para que os municípios que continuam com situação precária em relação ao saneamento passem a ter serviços com maior qualidade?

PS: Acho que tem um processo que é mobilização da sociedade. A indignação da sociedade com a falta de saneamento talvez seja o grande motor para fazer a política se mexer em prol do saneamento. O saneamento é o serviço de concessão municipal, então os prefeitos são atores fundamentais nesse processo e agora a gente também sabe que municípios, em geral, que estão em situação mais irregular ou estão com débitos maiores, são os municípios menores, com menos capacidade técnica dentro das prefeituras. Então, o apoio de estados e da União a esses municípios também é fundamental. Então, eu acho que uma política pública de apoio a esses municípios é fundamental nesse momento.

Brasil 61: Você acredita que a meta de universalização do saneamento básico será cumprida?

PS: Acho que a meta de 2033, sem dúvida nenhuma, é ousada, é ousadíssima, não é impossível. Mas eu acho que a lei foi sábia em dizer: olha vou botar uma meta ousada, mas se você não conseguir, explique por que não conseguiu para o seu regulador, antes de você ficar irregular. Você tem essa prorrogação de prazo. Em vez de a gente precisar trocar a lei para prorrogar o prazo, a própria lei já trouxe no seu escopo esta alternativa, mas tem que ir lá dar explicação para o agente regulador, o que é ótimo, porque o regulador vai poder saber qual é o plano de universalização daquele cara que, porventura, vai falar que não vai conseguir em 2033.

Brasil 61: Poderia destacar a importância do setor para o país, sobretudo na área ambiental, econômica e de saúde?

PS: Primeiro, saneamento é saúde na veia, é doença de veiculação hídrica que reduz, ida ao posto de saúde que reduz, a internação por desidratação ou por alguma outra coisa nos hospitais. Então, coletar o esgoto, tirar este esgoto do ambiente público torna qualquer ambiente mais salubre, não tenha dúvidas. Dois, um dos principais problemas ambientais hoje em dia é o lançamento de esgotos não tratados nos corpos hídricos. Quando eu retiro essa carga de poluição dos mananciais, eu melhoro a qualidade da água dos rios, melhoro a vida daqueles ecossistemas aquáticos e do próprio ecossistema mantido por aqueles cursos de água. Então, quer dizer, eu melhoro a saúde, melhoro o meio ambiente e eu giro a economia, pois vou trabalhar com o setor de cimento, tubos e conexões, máquinas e equipamentos eletroeletrônicos. O setor é cliente de várias cadeias produtivas, então a economia gira em torno do processo de universalização absurda.

 

Fonte: Brasil 61.