Por Mariana Campos de Souza
O acesso a serviços de saneamento básico de qualidade é de extrema relevância para se garantir o bem-estar, a saúde e a dignidade humana, valores previstos expressamente na Constituição Federal e que devem ser buscados e preservados pelo Poder Público, em todas as esferas e em todos os poderes.
Ademais, a falta de saneamento básico gera reflexos diretos aos cofres públicos, que têm significativa parcela dos recursos destinados (por meio de hospitais e unidades públicas de saúde) ao tratamento das doenças corriqueiramente geradas por tal falta.
Nesse contexto, no último 28 de dezembro, foi publicada a Medida Provisória n° 868, que atualiza o marco legal do saneamento básico, instituído pela Lei nº 11.445, de 2007, e altera outras leis, notadamente, a Lei nº 9.985, de 2000, que criou a Agência Nacional de Águas (ANA), e a Lei nº 13.529, de 2017, que dispõe sobre a participação da União em fundo de apoio à estruturação e ao desenvolvimento de projetos de concessões e parcerias público-privadas.
A MP 868 manteve o processo de chamamento público para angariar propostas de manifestação
A MP 868, assim como a anterior MP 844, também de 2018 (que teve sua vigência encerrada), tem como objetivo atualizar e modernizar o marco legal de saneamento básico, além de trazer um ambiente regulatório mais seguro, para que todos os agentes envolvidos (Poder Público, prestador dos serviços e usuários) tenham maior grau de previsibilidade e de estabilidade quanto aos seus direitos e obrigações, o que, consequentemente, poderá atrair os necessários e prementes investimentos privados no setor de saneamento básico. A MP 868, na mesma linha da MP anterior, também visa a estimular o uso racional dos recursos hídricos no saneamento básico.
No tocante ao ambiente regulatório, ainda no mesmo sentido da antiga MP, foi conferida a nova atribuição da ANA de editar normas de referência nacionais para a regulação da prestação dos serviços de saneamento básico, introduzindo-se, no entanto, a necessidade de as entidades regionais e locais (estas últimas, principalmente municipais), efetivamente responsáveis pela regulação e fiscalização, serem ouvidas no processo de instituição das normas de referência.
Nesse mesmo processo, ainda deverão ser promovidas audiências e consultas públicas para a participação da sociedade como um todo. A nova MP estimula, assim, o amplo debate no processo de elaboração das normas de referência nacionais. Lembre-se, quanto a esse aspecto, que a ANA continuará sendo competente, exclusivamente, pela edição de normas de referência, devendo possibilitar a adoção de métodos, técnicas e processos adequados às peculiaridades locais e regionais.
A MP 868 manteve o processo de chamamento público para angariar propostas de manifestação de interesse mais eficiente e vantajosa para a prestação dos serviços públicos de saneamento básico, como etapa anterior à contratação direta das companhias estaduais de saneamento. Todavia, também nesse processo, as entidades reguladoras e fiscalizadoras assumiram novo papel (em relação à MP anterior), qual seja, o de se manifestarem sobre a minuta do edital de chamamento público.
Ainda quanto ao processo de chamamento público, a MP 868 inova em relação à MP anterior, ao inserir expressamente a possibilidade de dois ou mais municípios localizados na mesma região atuarem conjuntamente no chamamento público. Então, nas situações em que tal atuação conjunta se mostrar vantajosa, sob um ou mais aspectos (inclusive econômico-financeiro), para o poder público e para os usuários, os municípios poderão adotar os instrumentos de gestão associada cabíveis para tanto.
Finalmente, outro ponto de destaque na MP 868 é a priorização das ações de saneamento básico no âmbito do fundo de apoio à estruturação e ao desenvolvimento de projetos previsto na Lei nº 13.529, de 2017. Nessa linha, pela alteração da Lei nº 13.529, tal fundo de apoio terá como uma das finalidades financiar serviços técnicos para apoiar a elaboração e revisão de planos de saneamento básico e regulação de serviços púbicos.
Desse modo, a administração pública local, que, em não raras vezes, padece pela falta de apoio técnico e financeiro na elaboração dos seus planos de saneamento básico, poderá contar com esse apoio, em caráter prioritário, por meio do fundo previsto na Lei nº 13.529.
Mariana Campos de Souza é mestre em Direito dos Negócios pela FGV-SP, sócia da área de Infraestrutura do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados
Publicado no Valor Econômico