Pelo menos 1.117 municípios brasileiros não se adequaram às exigências do novo
marco legal do saneamento e ficaram em situação irregular

Pelo menos 1.117 municípios brasileiros não se adequaram às exigências do novo marco legal do saneamento e ficaram em situação irregular. Com isso, terão que licitar a prestação dos serviços, abrindo espaço para a troca de companhias estatais de água e esgoto por operações privadas em 20% das localidades do país. Estão na lista sete capitais: Salvador, Belém, São Luís, Teresina, João Pessoa, Boa Vista e Rio Branco.

No total, há 16 cidades com mais de 200 mil habitantes cujos contratos de programa com as empresas de saneamento descumprem o que foi estabelecido na nova legislação. São municípios como Angra dos Reis (RJ), Caruaru (PE), Imperatriz (MA), Arapiraca (AL) e Santarém (PA).

Esse mapeamento inédito foi feito pela Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto (Abcon) e compila as informações levantadas pelas agências que regulam a prestação dos serviços de saneamento. Cerca de metade da população no país vive sem acesso à rede de esgoto e quase 16% não têm abastecimento regular de água potável.

Pelo novo marco, que foi sancionado no ano retrasado, a universalização deverá ser alcançada até 2033. As empresas precisarão garantir atendimento de água em 99% de suas áreas e coleta/tratamento de esgoto em 90%.

Um dos prazos-chave da legislação era 31 de março de 2022. Até essa data, as operadoras que tinham contratos de programa com prefeituras precisavam assinar aditivos incluindo as metas de universalização. Isso só podia ocorrer mediante comprovação de capacidade econômica-financeira para fazer frente aos investimentos necessários até 2033. Foi o sarrafo que muitas companhias estatais não conseguiram passar, deixando centenas de municípios em desconformidade com a lei.

Boa parte nem sequer enviou a documentação exigida às agências. Em geral, os contratos de programa eram assinados diretamente entre prefeituras e empresas estatais de saneamento, sem nenhuma concorrência. Os municípios que ficaram em situação irregular precisam agora licitar a prestação dos serviços de água e esgoto. As empresas privadas concorrem em condições iguais.

Pelas regras do novo marco legal, as cidades deverão aderir aos blocos regionais de concessão, organizados pelos governos estaduais e com necessidade de aprovação pelas respectivas Assembleias Legislativas. Também poderão assumir a prestação direta dos serviços ou fazer licitações individualmente. Porém, se optarem por esses caminhos e não entrarem nos blocos, ficarão sem acesso a recursos do Orçamento Geral da União (por meio de repasses diretos) e a financiamento público federal (BNDES, Caixa, FGTS).

“Agora a bola está com os prefeitos”, resume o diretor-executivo da Abcon, Percy Soares Neto, que chama a atenção para um ponto. Nas discussões da nova lei, os críticos alertavam sobre a possibilidade de que o setor privado se interessaria apenas por cidades grandes e rentáveis, consideradas o “filé” do saneamento, deixando o “osso” com estatais. Na prática, segundo Soares, acabou ocorrendo justamente o contrário. As empresas públicas – principalmente companhias estaduais de água e esgoto – se concentraram em renovar contratos ou assinar aditivos contratuais em municípios superavitários, como a maioria das capitais.

Em Goiás, por exemplo, a estatal Saneago conseguiu comprovar capacidade para universalizar o atendimento e continuará operando os serviços em Goiânia, Aparecida de Goiânia e Anápolis – as três maiores cidades do Estado. No entanto, 105 dos outros 243 municípios (80% deles com menos de 20 mil habitantes) estão em situação irregular e terão que providenciar novo operador.

Se os Estados não tomarem a dianteira, organizando e fazendo o leilão de blocos regionais, as cidades médias vão encontrar caminhos próprios caminhos e resolver sozinhas seus problemas”, afirma Soares. Esses municípios ainda conseguem dar viabilidade aos novos contratos de concessão e atrair investidores privados.

Mas as cidades pequenas, os municípios menores, vão ficar em apuros e verão a universalização do saneamento como algo cada vez mais distante. Por isso, tornar-se urgente estruturar os blocos”, diz o diretor da Abcon.

Somente Distrito Federal, Mato Grosso e Amapá mantêm-se totalmente regulares na prestação dos serviços. O Amapá leiloou, no ano passado, a concessão de saneamento em um bloco único que reunia seus 16 municípios. Além da outorga de R$ 930 milhões, o grupo vitorioso reduziu em 20% a tarifa de referência do leilão e precisará investir R$ 3,8 bilhões durante o contrato.

 

Fonte: Valor Econômico