Por Percy Soares Neto
Há preferência para a mão de obra local no preenchimento de vagas e qualificação profissional
Em um país marcado pela desigualdade, nenhuma política pública se tornou tão necessária no Brasil nos últimos anos quanto a expansão do saneamento básico. O histórico atraso nos investimentos do setor fez com que o déficit na cobertura de serviços de água potável e esgotamento sanitário – um direito básico de qualquer ser humano – atingisse níveis insustentáveis para uma das maiores economias do mundo.
Segundo cálculos da Abcon Sindcon, a associação das operadoras privadas de saneamento, com base nos dados do SNIS, há 150 milhões de pessoas não atendidas em coleta e tratamento de esgoto. O resultado dessa deficiência são mortes por doenças que poderiam ser evitadas, evasão escolar, absenteísmo e graves danos ao meio ambiente.
Há preferência para a mão de obra local no preenchimento de vagas e qualificação profissional.
Um novo marco legal para o saneamento entrou em vigor em 2020, trazendo uma perspectiva de avanço, a partir de maior competição e melhor regulação. Aliados à formação de blocos regionais para geração de escala, esses são fatores cruciais para garantir que a iniciativa privada encontre condições de aumentar sua participação no investimento do setor, cuja demanda chega a quase R$ 900 bilhões para a universalização dos serviços em dez anos, meta estabelecida pelo próprio marco legal, a Lei 14.026/20.
Ainda que a lei passe por um processo de consolidação de suas premissas e dispositivos, como o fortalecimento da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e a operacionalização da prestação regionalizada, já são perceptíveis os resultados do aporte de recursos decorrente de 16 leilões realizados. Áreas e comunidades até então não atendidas passam a receber os serviços, provocando uma mudança radical na condição de habitação de um importante contingente de população.
E aqui surge um dos grandes desafios das operadoras de saneamento nos próximos anos: entender a realidade desse enorme contingente de pessoas que, finalmente, terá acesso a um direito básico. Essa tarefa não é trivial, visto que uma área de concessão abarca diferentes “territórios”, cada um com sua dinâmica sócio-econômica e cultural.
Em recente painel no Encontro Nacional das Águas, promovido pela Abcon/Sindcon, especialistas identificaram no saneamento a chance que o Brasil tem, ainda nesta década, de reduzir drasticamente a desigualdade. O encontro também revelou que as empresas que assumiram concessões recentemente envolvendo áreas delicadas – como o semiárido alagoano, o interior do Estado do Amapá e as comunidades cariocas entre outras – estão se preparando para conquistarem sua “licença social para operar”.
Do painel participaram entidades de relevo, como o Instituto Locomotiva, a Unicef e o Cieds, Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável. As apresentações riquíssimas deixaram claro que existe um Brasil a ser desvendado, um país cujos indicadores de renda e bem-estar social estão muito abaixo do desejável e, muitas vezes, não recebem a devida atenção.
Segundo dados do Instituto Locomotiva, há 17,1 milhões de pessoas vivendo em favelas; 7,8% das moradias estão nessas comunidades. Metade dos brasileiros vive com uma renda familiar menor que R$ 2.400. A chamada baixa renda concentra 173 milhões de pessoas. É nítido que as empresas de saneamento precisam considerar as diferentes realidades. Os números indicam que o país tem a maioria de pessoas de baixa renda, um sem número de mulheres que são chefes de família, uma população de maioria negra, de crianças que não encontram banheiro nas escolas e de condições socioeconômicas marcadas pelo trabalho informal ou temporário. São pessoas que querem e valorizam a dignidade proporcionada pelo saneamento básico.
Basta lembrar, como exemplo, que há inúmeros casos de gente que não tinha como comprovar endereço e, a partir do registro de uma ligação de água e esgoto, passa a contar, orgulhosamente, com um documento que será forte aliado na busca de emprego e crédito.
As famílias que passam a contar com o saneamento encontram nessa mudança uma maneira de proporcionar melhores condições e uma vida saudável para sua comunidade. Elas enxergam perfeitamente esse salto que o acesso ao saneamento representa em termos de saúde e qualidade de vida, considerando que muitos hoje não conseguem nem mesmo tomar banho em casa após um dia de trabalho.
A Unicef alertou que a privação em saneamento é a mais comum entre as crianças no Brasil. Elas são mais suscetíveis a doenças provocadas pela falta de esgotamento sanitário, o que só se agrava à medida que ainda hoje temos 5200 escolas sem banheiro. Mudar essa realidade exige muito diálogo e um cuidado particular com o outro. Entender essa dinâmica, as particularidades de cada situação, é fundamental para saber como levar e manter as estruturas do saneamento e como atender com a melhor prestação de serviços essa população.
As empresas de saneamento já começaram a estimular essa mudança. Um dos caminhos apontados pelas concessionárias de saneamento é o engajamento dos líderes comunitários como forma de aproximação com as comunidades e realidades locais. A estratégia de despertar o sentimento de que as estruturas de saneamento pertencem àquelas comunidades, são parte de um novo momento de cidadania que vem se consolidando.
Outro pilar desse relacionamento é a abertura de oportunidades e preferência no aproveitamento de mão de obra local para preencher as vagas de empregos diretos, inclusive com a qualificação profissional desse pessoal. Levar o saneamento por meio de colaboradores com identidade com as comunidades e realidades é cada vez mais uma prática. Uma prática que mostra resultados super relevantes. O caminho para termos um Brasil digno a partir do saneamento é árduo, mas ele já começou, com mais empregos e a aproximação direta das empresas com suas respectivas comunidades.