Os próximos passos para a implementação do novo marco legal

 

Os três pilares do novo marco

 

Com a aprovação do novo marco legal do saneamento pelo Congresso Nacional, em sessão realizada em 24 de junho de 2020, e a consequente sanção do texto da Lei 14.026/20 pelo Executivo em 15 de julho do mesmo ano, as premissas fundamentais foram estabelecidas para o país deixar de figurar nos últimos lugares do ranking mundial.

A Lei 14.026/20 aponta um caminho estruturado para o setor, ancorado em três grandes pilares: (a) regulação adequada; (b) maior competição; e, (c) geração de ganhos de escala aprimorada na prestação dos serviços, pilares esses que visam à universalização dos serviços de saneamento básico.

A regulação adequada decorrerá da atuação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), editando normas de referência do setor e apoiando os reguladores infranacionais. Sua estruturação, ágil e efetiva, aumentará a estabilidade institucional, quesito fundamental para atrair investimentos e proteger os usuários dos serviços de saneamento básico.

A competição promoverá mais eficiência e maior abertura do mercado aos novos operadores, viabilizando os investimentos necessários para a universalização e promovendo maior qualidade dos serviços prestados à população.

A indução a essa competição se materializa com o fim dos contratos de programa – a aprovação dos vetos do Executivo ao texto da Lei 14.026/20, em 17 de março de 2021, confirmou que os contratos de programa para a prestação de serviços públicos de saneamento básico não poderão ser renovados, e os contratos irregulares (delegação vencida, sem delegação ou em desacordo com as exigências legais) são considerados precários. Nesses casos, a prestação do serviço de abastecimento de água e esgotamento sanitário estará sujeita à licitação quando o serviço não for prestado diretamente pelo próprio titular.

As licitações e/ou leilões de serviços públicos como o saneamento podem se dar das seguintes formas:

  • Por maior outorga (ágio): a empresa detentora dos requisitos de qualificação previstos no Edital de Licitação que oferece o maior lance em relação ao valor mínimo de outorga é considerada a ganhadora do leilão.
  • Pela menor tarifa (deságio): vence o leilão a empresa detentora dos requisitos de qualificação previstos no Edital de Licitação que apresentar o menor valor de tarifa a ser cobrada dos usuários.
  • Ou por um modelo híbrido que combine os dois fatores.

A geração de ganhos de escala na prestação dos serviços é mandatória para que os municípios de menor porte e menos atrativos, do ponto de vista técnico e econômico, sejam beneficiados com a expansão dos serviços de água e esgoto aguardada com o novo marco legal.

A prestação regionalizada por meio do agrupamento de municípios é prevista na Lei 14.026/20 e abre caminho para o setor usufruir, de forma efetiva e organizada, dos benefícios do ganho de escala, viabilizando a prática do subsídio cruzado. Assim, é possível garantir a oferta de saneamento básico também nas localidades de menor potencial econômico ou condições geográficas e de disponibilidade hídrica desfavoráveis para a rentabilidade do serviço (leia mais adiante, no item sobre regionalização).

 

Desafios e prazos da regionalização

 

O desafio nesse momento é garantir a implementação da prestação regionalizada por meio de mecanismos de incentivo ao agrupamento de municípios em cada estado, respeitando a titularidade municipal em caso de interesse local. A prestação regionalizada não significa a transferência da titularidade para os estados.

A transição para o modelo evoluir até que tenhamos todos os blocos estruturados já começou, o prazo para a criação das unidades regionais pelos estados se encerrou em 15 de julho de 2021 e a adesão – ou não – dos municípios a estas unidades deve acontecer, de acordo com o decreto 10.588/20, até 31 de março de 2022.

Pela lei, essa foi a data-limite para a formalização das unidades regionais que forem estabelecidas pelos governos estaduais em seu território. Nos estados em que não houve esse arranjo promovido pelo governo local, caberá ao governo federal estabelecer os blocos de referência para a prestação regionalizada. A União está incentivando a implementação da regionalização nos estados.

Também são admitidas outras formas de gestão associada para a caracterização da prestação regionalizada, como os consórcios públicos e a gestão associada, ambos de acordo com os limites previstos na atual regulamentação.

A regionalização tem como objetivo garantir o acesso de todos ao saneamento básico, inclusive nas áreas mais pobres, que não podem ficar sem a prestação desses serviços essenciais.

A consolidação da regionalização, seja por meio das unidades regionais ou blocos de referência, é um processo que demanda o diálogo entre a esfera estadual e os municípios. Essa etapa está em curso em todo o país e precisa avançar.

 

Acesso a recursos da União

 

O Decreto 10.588/20 dispõe sobre o Apoio Técnico e Financeiro da União, conforme expresso no artigo 13 da Lei 14.026/20, novo marco legal do setor. Ele trata das condições para a alocação de recursos públicos federais, onerosos e não onerosos, conforme previsto pelo artigo 50 da Lei 11.445/07, bem como das diferentes formas de apoio técnico da União aos estados e municípios no saneamento para a transição da prestação dos serviços para o modelo regionalizado.

O novo marco legal do saneamento incluiu, dentre as condições para acesso a recursos onerosos e não onerosos da União para o saneamento básico, a necessidade de estar regionalizado. Logo, a não adesão do município à unidade regional ou bloco de referência para o qual estaria designado será sancionada com a perda de acesso a recursos federais.

Como regra de transição para o modelo regionalizado, o Decreto 10.588/20 determinou um prazo limite para os municípios estarem dentro de uma prestação regionalizada, seja por meio (i) da adesão às unidades regionais, criadas pelos estados até 15 de julho de 2021; (ii) da adesão aos blocos de referência que tenham sido criados pela União; ou (iii) da formalização de consórcios públicos ou instrumentos de gestão associada.

Logo, as localidade que não estabelecerem a prestação regionalizada até 31 de março de 2022, não terão acesso a recursos públicos federais e financiamentos com recursos da União, ou com recursos geridos ou operados por seus órgãos ou entidades, sendo que a restrição permanece vigente enquanto o município não aderir a alguma forma de regionalização.

Conforme adiantado na seção anterior, as cidades onde a prestação do serviço público de saneamento básico não esteja regionalizada têm até 31 de março de 2022 para realizar a transição para esse modelo, seja pela adesão às unidades regionais ou blocos, criados pelos estados e União, respectivamente, seja por meio de outros instrumentos de gestão associadas existentes (consórcios públicos ou convênios de cooperação).

O impacto do Decreto 10.588/20 se estende ao atendimento das normas de referência que serão estabelecidas pela ANA, Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. O cumprimento das normas de referência também é condicionante para o aporte de recursos públicos federais onerosos (financiamentos) e não onerosos, tão logo essas venham a ser editadas.

 

Regra de transição

 

Os contratos de concessão e de PPP precedidos de licitação ou que sejam objeto de estudos já contratados pelas instituições financeiras federais anteriormente à data de publicação do Decreto 10.588/20 não sofrerão restrição para a alocação de recursos públicos federais e financiamentos com recursos da União caso não prevejam a prestação regionalizada.

Nesses casos, a restrição de acesso a recursos onerosos e não onerosos para saneamento permanecem vigentes até que o referido município esteja inserido em uma prestação regionalizada. Ou seja, caso a adesão a uma estrutura regionalizada ocorra após 31 de março de 2022, a restrição deixa de existir e o município volta a ser elegível à alocação de recursos da União para saneamento.

Modelagem

 

Uma das diretrizes para a regionalização são os chamados serviços de interesse comum, que implicam infraestrutura compartilhada entre mais de um município, inseridos em uma região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião. Nesses casos, a adesão é compulsória e a modelagem desses blocos precisa levar em consideração as relações de interdependência entre os munícipios.

Um exemplo de modelagem de prestação regionalizada foi a criação dos blocos de municípios pelo BNDES para o leilão da Cedae, no Rio de Janeiro, cuja adesão dos municípios se deu por instrumentos de gestão associada ou pela aprovação do órgão metropolitano – no caso da Região Metropolitana. Para permitir ganhos de escala, viabilidade técnica e atratividade econômica, o estado foi dividido em quatro blocos de municípios, e cada um desses blocos conta com uma região da capital.

Quando os estudos para a licitação da prestação regionalizada apontarem para a inviabilidade econômico-financeira da universalização até 2033, a lei permite que as metas sejam adiadas até 1º de janeiro de 2040, desde que haja anuência prévia da entidade reguladora que, em sua análise, deverá observar o princípio da modicidade tarifária.

Caso as metas não possam ser atendidas dentro do novo prazo, essa prestação regionalizada NÃO É VIÁVEL e precisa ser reestruturada.

A União, conforme previsto no Decreto 10.588/20, poderá prestar apoio técnico e financeiro na modelagem para a transição do modelo para a prestação regionalizada, desde que os titulares dos serviços cumpram as etapas previstas na Lei 14.026/20, conforme previsto no Artigo 13.

Não há receita única para a modelagem da prestação regionalizada. Cada localidade tem características e desafios próprios que precisam ser tecnicamente bem analisados. É válido observar bons exemplos modelados, como é o caso do projeto da Região Metropolitana de Maceió, da CEDAE e outros projetos em estruturação pelo BNDES.

Além dos aspectos técnicos e financeiros, há também questões políticas que precisam ser observadas. O diálogo entre os gestores públicos é fundamental para o sucesso desse modelo.

 

Comprovação da capacidade econômica

Outra norma relevante para complementar a regulação do novo marco do saneamento é o Decreto 10.710/21. Publicado no último dia 31 de maio, ele estabelece a metodologia de comprovação da capacidade econômica-financeira das operadoras de serviços de abastecimento de água potável e/ou de esgotamento para cumprir as metas de universalização do novo marco legal do saneamento.

Deverão comprovar a capacidade econômico-financeira todas as operadoras que prestam seus serviços com base em contratos de programa (operadores públicos) e os prestadores que passaram por licitação (operadores privados) e irão incluir as metas de universalização.

Em uma primeira fase, é feita uma análise contábil da situação financeira, a partir dos balanços auditados dos últimos cinco anos, levando-se em consideração os ativos, passivos, receitas e a própria capacidade de investimento, entre outros fatores.

O prazo para a entrega dos documentos referentes a essa primeira fase termina no final deste ano. Até 31 de março de 2022, a agência reguladora local deverá tomar a decisão sobre a efetividade dessa comprovação de boas condições financeiras.

Após esse primeiro filtro, as empresas deverão mostrar que possuem condições de financiar e/ou custear os futuros empreendimentos, seja com recursos próprios ou provenientes de uma instituição financeira. Será preciso apresentar estudos de viabilidade para a universalização e um plano de captação de investimentos para atingir as metas.

Nessa segunda etapa, será possível aplicar a regionalização aos contratos de concessão e constituir SPEs que tenham solidez para assumir os projetos estabelecidos. Uma possibilidade é o estreitamento de parcerias entre o público e o privado. O prazo para essa segunda comprovação expira ao final de 2022.

 

Atualização do Decreto 7.217/10

 

O Decreto 7.217, publicado em 21 de junho de 2010, regulamenta a Lei 11.445/07 e tem como referência a redação anterior da lei. Como o novo marco legal do saneamento reviu profundamente a legislação do setor, é preciso que o texto que a regulamenta também seja atualizado.

Há uma série de tópicos relevantes que necessitarão de regulamentação complementar: regras sobre a interrupção dos serviços, a relação dos serviços de saneamento básico com os recursos hídricos, o planejamento, as normas de referência, o controle social, as condições de validade dos contratos, dentre outros.

 

Demais decretos do arcabouço legal do novo marco

 

Criado logo após a publicação da Lei 14.026/20, por meio do Decreto 10.430 do Executivo, de 20 de julho de 2020, o Comitê Interministerial do Saneamento Básico (CISB) tem o objetivo de implementar a política federal de saneamento, articulando os órgãos públicos e entidades financeiras estatais em ações de desenvolvimento do setor. Uma de suas atribuições é definir a alocação de recursos da União para o saneamento.

O Comitê é presidido pelo Ministro do Desenvolvimento Regional, além de contar com o Ministério da Economia, Casa Civil e ainda as pastas de Saúde, Meio Ambiente e Turismo.