Com o novo marco legal do setor, a regionalização foi alçada a um papel fundamental no esforço de ganhar escala na prestação de serviço e, dessa forma, incrementar os investimentos no saneamento.
A geração de ganhos de escala na prestação dos serviços, por meio da formação dos blocos de municípios, é necessária para que todos os municípios estejam contemplados em unidades de operação com viabilidade técnica e econômica, permitindo que sejam beneficiados com a universalização dos serviços de água e esgoto.
A regionalização é um grande desafio, que começa a ser vencido.
Conforme adiantado no primeiro capítulo deste Panorama, de acordo com o Painel de Monitoramento da Implementação do Novo Marco Legal da ABCON SINDCON, até o final de março praticamente todos os estados já haviam definido ou encaminhado a delimitação de seus respectivos blocos regionais às assembleias legislativas. Apenas Acre, Pará e Tocantins permaneciam com seus processos pendentes (Gráfico 5.1.).
Gráfico 5.1.
Mapa do status da regionalização nos estados
Fonte: Painel de Monitoramento da Implementação do Novo Marco.
Nos termos da lei, todos os outros estados que encaminharam o processo de regionalização estarão aptos a levar adiante concorrências e concessões sob os moldes do novo marco legal.
Esse quadro mostra que a regionalização se fortalece, o que significa consolidar uma série de avanços. Aliada à comprovação da capacidade econômico-financeira das companhias, o mercado passa a ter uma visão mais clara de quem está apto a atuar para alcançar a universalização até 2033.
Contratos de programa que estiverem irregulares precisam ser substituídos por uma forma de prestação regular (mais detalhes no capítulo 1). As alternativas para essa regularização e para a garantia da manutenção de recebimento de recursos federais pelos municípios exigem a adesão a uma estrutura de prestação regionalizada, seguida da licitação regionalizada dos serviços sob as determinações da Lei 14.026/20 ou prestação direta pelo município.
Os contratos de programa regulares também chegarão a um término e demandarão processos de licitação para a escolha dos prestadores de serviços, abrindo mais oportunidades para os investimentos privados, que podem ser realizados em diversas modalidades, como concorrência regional, municipal, PPP, concessão plena ou parcial.
Bons exemplos de regionalização e modelagem
O processo também demanda a articulação dos diferentes entes em blocos regionais, a estruturação da governança da regionalização, a formação das agências reguladoras e a definição pela ANA, Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, das normas de referência que os entes reguladores deverão seguir.
Os projetos e contratos de concessões de saneamento são de longo prazo. O equilíbrio financeiro é baseado em uma tarifa justa, fundamental para levar o serviço a todos, inclusive à população que não possui recursos e se vale do instrumento da tarifa social.
A atratividade dos leilões depende das características do projeto, que devem observar o princípio de ganho de escala, e da própria decisão do titular e da articulação do Executivo, além de uma adequada alocação de riscos, como forma de garantir a segurança jurídica dos processos.
Já temos boas experiências de regionalização em termos de editais e governança, tanto antes da aprovação do novo marco legal quanto depois de sua publicação.
Muitos desses novos certames foram modelados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e resultaram em um grande êxito de concorrência.
A modelagem da Cedae
A modelagem dos leilões referentes à concessão para os serviços de água e esgotamento sanitário da Cedae, companhia estadual de saneamento do Rio de Janeiro, foi feita pelo BNDES e englobou a formação de quatro blocos de municípios; cada um previa também, em sua composição, a operação de serviços em uma região da capital do estado, a cidade do Rio de Janeiro.
O certame atraiu uma série de consórcios e teve grande concorrência. Na primeira delas, em abril de 2021, foram definidos os vencedores dos três primeiros blocos, com 29 municípios. O leilão alcançou ágio de 134% no valor de outorga, arrecadando R$ 22,62 bilhões, a serem compartilhados entre prefeituras e estado, com alocação no Fundo de Desenvolvimento da Região Metropolitana e revertidos em investimentos em infraestrutura.
No segundo leilão, realizado em dezembro do ano passado, a proposta vencedora para o bloco remanescente, com 20 municípios e a zona oeste da capital, alcançou R$ 2,2 bilhões de outorga para os cofres públicos do estado, o que representa ágio de 90% sobre o lance inicial (outorga mínima).
O investimento previsto para a universalização dos serviços, operação e manutenção dos sistemas é de R$ 27,1 bilhões ao longo de 35 anos, sendo R$ 4,7 bilhões em obras.
A população beneficiada com o investimento privado nas operações que passaram por leilão no Rio de Janeiro é de 13,7 milhões de habitantes.
A expectativa de impacto na economia dos investimentos com a concessão da Cedae é de R$ 46,8 bilhões.
Conforme estimativa realizada pelo BNDES, mais de 40 mil empregos diretos serão gerados na realização das obras e na operação dos serviços.
A modelagem no Amapá
Considerado regionalizado pelo Decreto 10.588/20, o Amapá concedeu os serviços de água e esgotamento sanitário em todo o estado por meio de leilão em setembro de 2021, após modelagem realizada pelo BNDES, que conseguiu incluir todos os 16 municípios amapaenses em um único bloco.
O estado receberá R$ 3 bilhões de investimento, dos quais R$ 984 milhões logo nos primeiros cinco anos de concessão, a fim de alcançar a universalização no atendimento.
O leilão do Amapá demonstra que, com uma modelagem adequada e a articulação entre estado e municípios, é possível levar saneamento a regiões de grande déficit no atendimento e baixa densidade populacional.
Atualmente, apenas um a cada três habitantes no estado conta com o acesso à água encanada, e a coleta de esgoto é restrita a 7,1% de uma população total de 750 mil habitantes.
Além disso, foi o primeiro grande leilão de saneamento da região Norte do país, com forte impacto social e ambiental.
O leilão do Amapá foi realizado em um modelo híbrido, com lances que combinaram menor tarifa e maior valor de outorga.
O consórcio vencedor, liderado pelo Grupo Equatorial, ofereceu o desconto máximo sobre a tarifa permitido pelo edital (20%) e um valor de outorga equivalente a mais de R$ 930 milhões, com ágio de 1.760% sobre a oferta mínima.
Operações regionais
Antes mesmo do novo marco legal, a formação de consórcios de municípios se apresentou e permanece como uma alternativa de grande valor para acelerar investimentos no saneamento.
Dois bons exemplos dessas iniciativas, operadas por concessionárias privadas, estão na região dos Lagos, Rio de Janeiro. Ambos contribuíram decisivamente para a recuperação da Lagoa de Araruama, que, por volta do ano 2000, estava praticamente morta em virtude da poluição causada pelo despejo de esgoto sem tratamento em suas águas.
Águas de Juturnaíba
Municípios de Araruama, Saquarema e Silva Jardim no Rio de Janeiro.
Opera desde 1998, com concessão plena. Ao assumir os serviços, apenas 0,7% da população possuía esgoto tratado. Atualmente, 98,6% da população tem acesso à água tratada e a cobertura de esgoto tratado atinge 78%. A meta é que, até 2023, a população tenha 90% de seu esgoto tratado e seja alcançada a universalização do abastecimento de água potável nas áreas urbanas. O investimento total previsto para todo o período de concessão é de R$ 400 milhões.
A operação da Águas de Juturnaíba, do Grupo Águas do Brasil, é regulada pela Agenersa, Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro.
Prolagos
Municípios de Armação de Búzios, Arraial do Cabo, Cabo Frio, Iguaba Grande e São Pedro da Aldeia no Rio de Janeiro.
Opera desde 1998, com concessão plena. Desde o início de sua atuação, a empresa já investiu R$ 1,4 bilhão, um dos maiores investimentos neste segmento por habitante no Brasil. Nesse período, a concessionária triplicou o fornecimento de água potável, passando a atender de 30%, a 98% da população da área urbana, e saltou de praticamente zero para 80% o índice de atendimento em esgotamento sanitário na região (percentuais acima da meta estabelecida contratualmente para o período, que é de 94% para água e 80% para esgoto).
A operação da Prolagos, da Aegea Saneamento e Participações, é regulada pela Agenersa, Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro. Todos os municípios atendidos integram o Consórcio Intermunicipal Lagos São João. As prefeituras avaliam e aprovam, juntamente com a agência reguladora, os planos de investimento da concessionária para a região atendida.
Leilões municipais
Crato (CE)
Com 133 mil pessoas, a cidade cearense realizou em fevereiro deste ano o leilão que definiu a empresa que assumirá a concessão pelos próximos 35 anos, com investimentos previstos de R$ 250 milhões. A concessionária privada tem como meta alcançar 90% da população com o esgoto tratado, realidade que hoje é extensiva apenas para 32,8% do município.
Orlândia (SP)
Realizada em janeiro deste ano, a licitação para a concessão dos serviços de água e esgoto de Orlândia, cidade do interior paulista com 44 mil habitantes, atraiu 17 empresas e contou com 14 delas no certame. O lance do consórcio vencedor alcançou R$ 51,5 milhões, superando as expectativas do município. A concessão terá a duração de 35 anos, e o investimento total previsto é de R$ 93 milhões. O edital prevê a aplicação da maior parte desse valor nos primeiros anos de concessão.
São Simão (GO)
Os serviços de água, esgotamento sanitário e resíduos sólidos da cidade goiana foram alvo de leilão em fevereiro deste ano, na primeira concorrência de serviços integrados no país. O contrato terá duração de 35 anos e prevê cerca de R$ 50 milhões de investimentos para atender 20 mil habitantes.
Trata-se de um leilão muito importante, que demonstra o interesse do mercado por esse perfil de licitação (água, esgoto e resíduos sólidos), e pode sinalizar um novo modelo de negócios para o saneamento avançar.