A mudança com o novo marco já começou
O que o belo cartão postal da Baía de Guanabara, as praias de Maceió e o Pantanal sul-mato-grossense têm em comum? Todos esses lugares serão beneficiados nos próximos anos com a universalização dos serviços de esgotamento sanitário graças aos investimentos realizados a partir de concessões e parcerias com a iniciativa privada.
Entre o segundo semestre de 2020 e o primeiro semestre de 2021, foram realizados ou encaminhados quatro importantes leilões do setor nos estados do Rio de Janeiro, Alagoas, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo.
Esse movimento foi possível graças a um esforço que já vinha sendo realizado antes da Lei 14.026/20, principalmente com as modelagens feitas pelo BNDES, que liderou a estruturação de três desses certames. Mas, certamente o ambiente positivo causado pelo novo marco de saneamento, em vigor desde 15 de julho do ano passado, foi de grande influência para que essas concorrências fossem concluídas com sucesso
Leilões já realizados
Os leilões que estão em andamento confirmam a nova realidade do saneamento, marcada por concorrência, grande aporte de investimentos e transparência em um setor que ainda tem muito a contribuir na retomada da economia.
Os formatos e modelos de negócios propostos pelos leilões podem ser diferentes, mas todos são relevantes para dar velocidade à universalização, ainda distante, dos serviços de água e esgoto no país.
Sejam concessões plenas, contratos regionalizados, PPPs ou outros tipos de parceria, o setor privado tem interesse nos diversos modelos de concessão possíveis (mais detalhes no Capítulo 6, sobre esse tema). O importante é acelerar o investimento e diminuir o déficit do saneamento no país.
Os leilões comprovam o interesse das empresas privadas investirem após a aprovação do novo marco legal, inclusive com a chegada de novos players que desejam atuar no setor.
Alagoas (Casal)
A concessão dos serviços de abastecimento e esgotamento sanitário da Região Metropolitana de Maceió (RMM) levará saneamento a 13 cidades e 1,5 milhão de pessoas, em um investimento previsto de R$ 2 bilhões apenas nos seis primeiros anos. O investimento total é de R$ 2,6 bilhões para 35 anos de concessão. A Casal, Companhia de Saneamento de Alagoas, permanecerá como responsável pela produção de água para a Região Metropolitana de Maceió.
Realizado no dia 30 de setembro de 2020, na B3, em São Paulo, o leilão dos serviços proporcionou ao estado uma outorga de R$ 2 bilhões (13.182% sobre o valor inicial estipulado no edital), após disputa entre sete consórcios.
Além da recente concessão licitada, Alagoas possui duas experiências de sucesso em PPPs de saneamento: a Agreste Saneamento, do Grupo Iguá, PPP de água firmada em 2012 e que atende cerca de 280 mil habitantes de Arapiraca e mais nove municípios do interior; e a Sanama – Saneamento Alta Maceió, do Grupo GS Inima, cuja operação foi iniciada em 2016 e beneficia 300 mil moradores da capital alagoana.
Cariacica e Viana, Espírito Santo (Cesan)
Outro certame de destaque aconteceu no dia 20 de outubro de 2020, também na B3, em São Paulo. Em regime de PPP com a companhia estadual de saneamento do estado, a Cesan, foi definida uma concessionária privada para realizar a coleta e tratamento de esgoto de Cariacica e Viana, na região metropolitana de Vitória.
Os serviços serão universalizados em até dez anos. Os investimentos atingirão R$ 580 milhões em 30 anos de contrato e vão beneficiar 423 mil pessoas. A proposta vencedora ofereceu deságio de 38,13% sobre a tarifa de esgoto estipulada no edital.
O Espírito Santo já possui duas outras PPPs de esgoto em operação, nas cidades de Serra e Vila Velha, ambas operadas pelo Grupo Aegea, além da concessão plena privada de Cachoeiro de Itapemirim, em operação desde o final da década de 1990 (BRK Ambiental).
Mato Grosso do Sul (Sanesul)
Em parceria com a companhia estadual Sanesul, a PPP de esgotamento sanitário (Grupo Aegea) foi definida em leilão realizado no dia 23 de outubro de 2020, na B3, em São Paulo. A operação abrange 68 municípios sul-mato-grossenses e inclui investimentos de R$ 3,8 bilhões em 30 anos de contrato, beneficiando 1,7 milhão de pessoas.
A disputa envolveu seis consórcios e culminou em um deságio significativo – 38,46% –, o que representa economia de recursos para o investimento público nos próximos anos.
A capital do estado Campo Grande (Grupo Aegea) já conta com robusto investimento de sua concessão privada de água e esgoto desde o início da década passada.
Rio de Janeiro (Cedae)
Maior projeto de infraestrutura em curso no país, o leilão da Cedae foi realizado em 30 de abril e arrecadou R$ 22,6 bilhões, que serão compartilhados entre o estado e os municípios que participaram da licitação.
O valor representa ágio de 134% sobre a outorga mínima prevista (R$ 9,7 bilhões para três blocos com 29 municípios), e será revertido em investimentos pelo governo estadual e pelas prefeituras para melhoria da vida de cerca de 11 milhões de habitantes.
Para efeito de comparação, no começo de abril o governo federal arrecadou R$ 10 bilhões em concessões de aeroportos, terminais portuários e ferrovias durante uma semana de leilões de infraestrutura, a chamada Infra Week — ou seja, menos do que a metade do leilão da Cedae. A consolidação da concorrência traz a oportunidade de injeção de R$ 46 bilhões na economia.
Com o projeto, favelas não urbanizadas do Rio de Janeiro receberão investimento mínimo de R$ 1,9 bilhão em água. Basta imaginar o quanto o Rio de Janeiro ganhará com uma Baía da Guanabara limpa para se ter uma dimensão dos benefícios de se romper com o ciclo atual de permanente falta de recursos para o saneamento no estado.
Diariamente, 282 toneladas de esgoto, ou 28 caminhões cheios de material que deveria ser tratado antes de voltar para a natureza, são despejadas na Baía da Guanabara. Isso equivale a um Cristo Redentor de dejetos sendo descarregado a cada quatro dias no cartão postal da Cidade Maravilhosa.
Se dependesse do atual nível de investimentos da Cedae, o problema da universalização do tratamento de esgoto só seria resolvido no próximo século. Com a licitação, o prazo cairá para 12 anos. Os níveis atuais de atendimento da Cedae atingem apenas 88% da população com acesso a abastecimento de água e somente 37% com acesso a coleta de esgoto.
A Cedae poderá ter uma receita significativa com a venda de água bruta, reduzir custos operacionais e ser financeiramente sustentável. Para o estado, que enfrenta grave situação fiscal, o impacto em arrecadação de impostos chega a quase R$ 1,4 bilhão, com destaque para o ICMS, com previsão de arrecadação de cerca de R$ 633 milhões.
O êxito do leilão da Cedae sinaliza uma grande oportunidade e incentivo para que novas licitações sejam realizadas em breve, já sob as diretrizes do novo marco legal do saneamento.
Futuros leilões
Amapá
Com modelagem do BNDES, o leilão para a concessão plena de serviços de água e esgoto na área urbana dos 16 municípios do Amapá está marcado para setembro e terá lances que combinarão menor tarifa e maior valor de outorga. Os serviços são prestados atualmente pela Caesa, companhia estadual de saneamento.
Apenas um a cada três habitantes no estado conta com o acesso a água encanada, e a coleta de esgoto é restrita a 7,1% de uma população total de 750 mil habitantes.
Será o primeiro grande leilão de saneamento da região Norte do país, com forte impacto social e ambiental. Os investimentos previstos alcançam R$ 3 bilhões durante 35 anos de concessão (sendo R$ 984 milhões nos cinco primeiros anos).
Alagoas
O leilão para uma nova concessão no estado está previsto para o primeiro trimestre de 2022. A proposta é que sejam formados dois novos blocos de municípios, com investimento previsto de R$ 3 bilhões e 2,2 milhões de pessoas beneficiadas.
Rio de Janeiro (Bloco 3 da Cedae)
O governo do Rio de Janeiro pretende realizar o leilão do chamado Bloco 3 da Cedae, remanescente da concorrência feita em abril, até o final de 2021. O bloco contava inicialmente com seis municípios e uma área da capital, mas outras cidades já sinalizaram que gostariam de aderir, diante do êxito do primeiro leilão. Estima-se que essa nova licitação viabilizará mais R$ 3 bilhões de investimento para o estado.
Em modelagem ou com prazos indefinidos
Encontra-se em fase de modelagem a licitação para concessão de serviços de saneamento da Paraíba (duas áreas, litoral e interior, com investimento estimado de
R$ 4 bilhões).
O leilão para a concessão dos serviços hoje prestados pela Corsan no Rio Grande do Sul aguarda definição sobre o modelo, que pode ser alterado para a privatização da companhia, conforme já sinalizou o governo do estado. O BNDES calcula que o edital demande R$ 3 bilhões de investimento.
Debate semelhante ocorre em Minas Gerais. De qualquer forma, o estado avança com seu processo de regionalização (formação de blocos de municípios).
A capital gaúcha Porto Alegre prepara a licitação dos serviços de saneamento. Previsto inicialmente para 2021, o certame ainda depende da definição da prefeitura da cidade. Os estudos do BNDES para a concessão já estão concluídos. O investimento estimado é de R$ 2,2 bilhões.
O Ceará também já conta com projeto de concessão desenhado pelo BNDES para a capital Fortaleza e a região do Cariri. A expectativa inicial é que o edital seja lançado ainda em 2021, com previsão de R$ 6,4 bilhões de investimento.
Os leilões de Rondônia e Acre dependem da adesão de suas respectivas capitais para serem confirmados.