O caminho do saneamento para a universalização tem sido longo. Contudo, desde 15 de julho de 2020, quando foi sancionada e publicada a Lei 14.026/20, novo marco legal do saneamento, essa travessia ganhou um importante farol para as empresas que atuam no setor.

Projetar que o Brasil atingirá a médio prazo a universalização dos serviços de água e esgoto no país se tornou algo muito mais palpável, à medida que, após três décadas de atraso e três anos de discussão em Brasília, uma nova realidade para o setor de saneamento está sendo construída.

O saneamento tornou-se uma prioridade. A mudança que elevará os investimentos do setor está em marcha. Existe uma fronteira a ser desbravada, e a iniciativa privada terá papel fundamental nesse esforço pela universalização.

Hoje, considerando os recentes leilões de Casal, Sanesul, Cariacica e Cedae, as operadoras privadas atendem direta ou indiretamente 15% da população. A expectativa é que elas deverão atingir ao menos 40% até 2030.

O impacto dessa tão aguardada evolução do saneamento afetará de forma contundente a economia. O setor será a mola propulsora da retomada econômica do país após a crise sanitária, tanto em geração de empregos quanto em investimentos.

 

O desafio da universalização

 

 

Déficit no atendimento à população

 

A deficiência dos serviços de saneamento é enorme: ela atinge 48% da população, equivalente a 101 milhões de pessoas que não têm atendimento de esgoto, e 16% que não possuem abastecimento de água. Ou seja, 34 milhões de pessoas não têm água potável em suas torneiras, segundo estudo da KPMG¹ em parceria com a ABCON SINDCON.

 

Escassez de investimentos

 

O estudo KPMG/ABCON SINDCON aponta que os recentes investimentos realizados no saneamento não foram suficientes para atender às metas do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), o que significa menor cobertura e menos obras, gerando um déficit que se acumula ano após ano.

Em 2019, os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) indicaram que o investimento total no setor alcançou apenas R$ 15,6 bilhões.

Demanda por investimentos

 

Ainda segundo o estudo KPMG/ABCON SINDCON, os setores público e privado precisam trabalhar em conjunto para investir mais de R$ 753 bilhões por um período de de 12 anos, a fim de expandir os sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário e cobrir a depreciação, com vistas à universalização dos serviços. Desse total, R$ 255 bilhões seriam referentes à recuperação da depreciação das redes e ativos existentes.

Cenário atual de investimentos e projeções regionais

 

O momento é de grande visibilidade nacional para o setor. Há hoje maior necessidade de investimentos de longo prazo, o que em saneamento é um jogo de “ganha-ganha”, com inúmeros impactos positivos para a sociedade e o meio ambiente.

Devido à sua capilaridade, o setor possui uma relevante cadeia produtiva, com um potencial multiplicador da economia que beneficia diretamente a população local. Tanto a construção civil quanto a indústria de máquinas e equipamentos, principais setores industriais impactados pelos investimentos em saneamento, contratam mão de obra local e geram renda direta entre os municípios em que atuam.

Somente o pipeline de investimentos sob modelagem do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) inclui seis projetos de concessões ou Parcerias Público-Privadas (PPPs) para abastecimento de água e esgotamento sanitário em todo o país, totalizando R$ 16 bilhões de investimento.

Diante de todo esse potencial e da urgente necessidade de investimento no setor, o saneamento se apresenta, a partir do novo marco legal, como a alternativa mais robusta para a retomada econômica do país no pós-pandemia.

 

Efeito Multiplicador dos Investimentos

 

O setor de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto tem um efeito multiplicador de 2,8 na economia. Esse valor não considera as economias na saúde, que ultrapassariam os R$ 5,9 bilhões com a universalização dos serviços, uma vez que são registradas em média mais de 350 mil internações hospitalares ao ano por doenças relacionadas ao saneamento inadequado².

A universalização do saneamento trará impactos relevantes para uma enorme cadeia produtiva, gerando empregos a cada elo dessa rede.

Necessidades regionais

 

A seguir, apresentamos análises dos impactos regionais da expansão de investimentos no saneamento, conforme dados compilados no estudo Quanto custa universalizar o saneamento básico no Brasil (KPMG/ABCON SINDCON).

Norte

 

Considerada a mais carente de serviços de saneamento, a região Norte representa 9% do total dos novos investimentos. Os estados do Amazonas e Pará precisam de mais recursos para atingir a meta (R$ 10 bilhões e R$ 18 bilhões, respectivamente). Os efeitos positivos gerados representam cerca de três vezes o valor dos novos investimentos da região.

A universalização depende da verificação do custo de diversos componentes que estruturam a prestação do serviço. No caso da região Norte, os investimentos mais expressivos para a oferta de água estão relacionados às redes de distribuição e adutoras.

Os serviços de esgoto possuem investimentos duas vezes e meia maiores que os de água. São despesas referentes principalmente às redes coletoras e estações de tratamento de esgoto (ETEs). Amazonas e Pará aparecem com a maior necessidade de investimentos nessa área.

Nordeste

 

Região desafiadora, o Nordeste representa 27% dos investimentos necessários para a universalização.

A Bahia é o estado nordestino com a maior demanda por investimentos para a universalização desses serviços, seguido pelo Ceará. O Sergipe é o que tem a menor demanda por investimentos, representando 4% do montante total da região.

Os componentes mais representativos nos custos de abastecimento são redes de distribuição de água (26%) e adutoras (24%).

Os investimentos necessários para a universalização do esgotamento sanitário representam 69% do total de investimentos na região. A maior demanda no Nordeste é referente a investimentos nas redes coletoras de esgoto, totalizando quase R$ 50 bilhões.

Centro-Oeste

 

Possui a segunda menor demanda por investimentos para a universalização de serviços de saneamento, pois apresenta maiores níveis de cobertura. Os serviços de água, por exemplo, têm índices de atendimento de 90% na região.

Os investimentos em esgotamento sanitário representam 75% da demanda total de investimentos na região com destaque para as redes coletoras de esgoto, responsáveis por 47% do investimento total.

Goiás e Mato Grosso são os dois estados mais necessitados de investimentos em esgotamento sanitário, R$ 18,2 bilhões e R$ 12,1 bilhões respectivamente. O Distrito Federal tem a menor demanda, apresentando 85% de cobertura do serviço.

Sudeste

 

Nesta região está localizada a capital de São Paulo, cidade mais populosa do Brasil, e com as maiores coberturas de água e esgoto (96% e 89%, respectivamente). A necessidade de investimento para universalização em valores absolutos é maior que a encontrada em toda a região Norte, especialmente por possuir o maior contingente populacional do país.

Os desembolsos necessários para a universalização do serviço de água no Sudeste correspondem a 39% do total de investimentos necessários para o país. Todos os seus itens – e a com exceção de poços artesianos e cisternas – apresentam a maior demanda de recursos quando comparados com outras regiões. O Espírito Santo é o que possui menores demandas de investimento para universalização, enquanto São Paulo desponta com as maiores. Em termos de montante de recursos, o caminho da região é possivelmente o mais desafiador.

Os investimentos para a universalização do esgoto no Sudeste representam 34% da demanda total do país. As grandes necessidades são lideradas principalmente por São Paulo, em decorrência de suas demandas de investimento.

Sul

 

É a terceira região mais necessitada em termos de investimento para universalizar o saneamento. O estado que mais demanda é o Rio Grande do Sul, e o que necessita de menos recursos é o Paraná que apresenta os melhores índices de atendimento de água e esgoto.

Apesar de pouca cobertura e grande necessidade de investimentos, a universalização de esgoto da região Sul viria antes da universalização de água, que, por sua vez, tem demanda por investimentos quase quatro vezes menores que os de esgotamento sanitário (89% da população sulista já é atendida por sistemas de água).

A demanda por investimentos no serviço de água da região Sul representa 13% do custo total no país, ficando à frente do Norte e Centro-Oeste.

A rede coletora de esgoto representa o componente de maior custo dos recursos totais demandados (60%). Por ser a terceira região mais populosa, os custos do serviço de água no Sul representam 20% do custo total de universalização no país.

Aplicação de recursos x Impactos na sociedade

 

Mais que levar água tratada para a população, coletar e tratar o esgoto nas cidades, os investimentos nos serviços de saneamento representam benefícios para a sociedade em vários aspectos. Além de gerar renda e criar empregos, os resultados se desdobram na vida das pessoas. Água e esgoto tratados significam mais saúde e melhores indicadores de educação.

Esse impacto social e ambiental é mundialmente reconhecido. Contudo, não podemos relegar o impacto econômico do setor, com geração de empregos e renda, fator que precisa ser ressaltado, especialmente no contexto atual de retomada do crescimento econômico.

Segundo levantamento da ABCON SINDCON baseado em dados do Sistema de Contas Nacionais do IBGE — incluído na análise conjuntural Impacto dos investimentos em abastecimento de água e esgoto sanitário na cadeia produtiva do setor (ABCON SINDCON, outubro de 2020) — o setor de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto representa cerca de 0,58% do PIB brasileiro (R$ 40 bilhões).

Além da capilaridade para a geração de emprego, os investimentos em saneamento geram impactos em uma longa cadeia produtiva, como, por exemplo, na fabricação de produtos de metal com a produção de reservatórios metálicos e tubos, que, por sua vez, serão demandantes da indústria de aço e alumínio.

Há também aumento na demanda pela fabricação de produtos de plástico e borracha, como tubulações e válvulas, assim como na indústria de materiais não metálicos que produz cimento e concreto.

Outro setor relevante é a indústria eletroeletrônica, com a demanda por quadros de comando, automações, materiais de instalação e telemedição. Em suma, há toda uma cadeia produtiva extremamente relevante que é acionada ao se investir em abastecimento de água e esgotamento sanitário.

Com base na metodologia Matriz Insumo-Produto, é possível projetar o impacto na economia quando considerado o investimento total previsto para a universalização dos serviços de água e esgoto no país.

Considerando os investimentos de cerca de R$ 498 bilhões para a expansão das redes de abastecimento de água e esgotamento sanitário, é possível observar um impacto significativo na economia brasileira. O efeito multiplicador traria como resultado cerca de R$ 1,4 trilhão na economia, com a geração de mais de 14 milhões de empregos ao longo do período dos investimentos, e quase R$ 90 bilhões em arrecadação tributária.

Ao se analisar a economia como um todo, é possível observar três tipos de efeito:

Efeito Direto – choque ou variação inicial da produção.

Efeito Indireto – variações nos setores que fornecem insumos ao setor que sofreu o choque inicial.

Efeito Renda – variações nas massas salariais ocasionadas pelos efeitos direto e indireto gerando alterações no consumo das famílias e nos setores que as atendem.

 

O impacto mais significativo será na construção civil. Haverá um aumento de cerca de R$ 424 bilhões na produção do setor, com a geração de quase 6 milhões de empregos ao longo do período de investimentos. Outro setor muito impactado é a indústria de máquinas e equipamentos, no qual teríamos um incremento superior a R$ 42 bilhões, e a geração de quase 130 mil empregos.

 

Empregos à vista

 

Os leilões de saneamento já realizados a partir da vigência do novo marco legal, entre o segundo semestre de 2020 e o primeiro semestre de 2021, vão garantir 700 mil empregos diretos e indiretos no país, de acordo com o Ministério da Economia. Os investimentos estimados são de R$ 700 bilhões.

Apenas no Rio de Janeiro, com a concessão da Cedae, são estimados 400 mil empregos diretos e indiretos. Entre os setores que serão beneficiados — e que irão acelerar a oferta de empregos — estão a construção civil, fabricantes de máquinas, equipamentos e materiais plásticos, tecnologia e serviços. Uma vez que as concessionárias estarão espalhadas por todo o estado, haverá grande incremento de contratações locais.

 

 

 

1. Quanto custa universalizar o saneamento básico no Brasil, versão atualizada, 2021

2. Benefícios Econômicos e Sociais da Expansão do Saneamento Brasileiro, Instituto Trata Brasil/ABCON/Exante, 2018.