Venilton Tadini e Percy Soares Neto
O Brasil vive um movimento de modernização regulatória na infraestrutura. Depois da sanção de novas leis para gás natural e saneamento básico, as discussões avançam para melhorar os marcos regulatórios de energia elétrica, ferrovias e cabotagem, sem esquecer melhorias infralegais em curso, para estimular investimentos privados na infraestrutura.
Esse movimento é conveniente diante da necessidade de remover gargalos evidentes, causados pela falta de infraestrutura e, ao mesmo tempo, aproveitar o apetite de investidores por ativos com boa remuneração em um cenário de elevada liquidez internacional. O Brasil tornou-se um ponto luminoso no mapa mundial de oportunidades para investimentos, com uma larga oferta de bons projetos.
Nesse cenário, o governo federal e os estados vêm promovendo enorme esforço para organizar a governança pública e incrementar as carteiras de projetos à disposição dos investidores privados. O Livro Azul da Infraestrutura, preparado pela Abdib, identificou mais de 1.200 oportunidades de investimento em fases diversas de estruturação pela União, estados e Distrito Federal.
A conclusão bem-sucedida das licitações dá ignição ao movimento subsequente de estruturação do financiamento, envolvendo capital e dívida. A demanda por recursos será grande. No saneamento básico, as últimas quatro concessões realizadas vão exigir mais de R$ 60 bilhões em investimentos. Conforme estudo elaborado pela Abcon Sindcon em parceria com a KPMG, serão necessários investimentos superiores a R$ 700 bilhões até 2033 para universalizar os serviços de água e esgoto e recuperar a depreciação das redes existentes. Na malha ferroviária, licitações e prorrogações de contratos indicam mais R$ 40 bilhões de inversões. O governo federal tem mais de R$ 240 bilhões de investimento em licitações programadas até 2022.
No sentido de amparar essas perspectivas de investimentos, em boa hora tramita no Congresso Nacional em regime de urgência o projeto de lei 2.646/2020, que modifica a Lei 12.431/2011. Tal projeto introduz uma importante alternativa de captação de recursos para investimentos na infraestrutura do país. Embora já existam as chamadas debêntures incentivadas na Lei 12.431/2011, esta modalidade não alcança investidores institucionais, como fundos de pensão, que no mundo todo são os principais participantes no funding de longo prazo para a infraestrutura.
De forma simplificada, cria-se uma nova classe de ativo, desta vez com foco nos investidores institucionais, em complemento à classe de ativos existente, ancorada na demanda da pessoa física, que não é a mais adequada para aplicações com tal prazo de maturação e para ofertar o volume de recursos necessários para atender a enorme expectativa de investimentos dos programas apresentados.
Adicionalmente, o projeto prevê que obrigações pecuniárias contraídas pela administração pública em contrato de parceria público-privada poderão ser garantidas por organismos internacionais ou instituições financeiras que sejam controladas pelo poder público, desde que não dependentes.
Em um momento que se percebe a necessidade de diversificação das fontes de financiamento dada a elevada demanda por investimentos e a crescente indisponibilidade das fontes financeiras públicas de longo prazo da economia, tais instrumentos se tornam ainda mais importantes.
A despeito disso, após um ano de discussão sobre o projeto de lei em questão, que envolveu os Poderes Executivo e Legislativo, empresas, bancos públicos e privados e instituições representativas do setor de infraestrutura, os economistas Thiago Pereira e Marcelo Miterhof, do BNDES, apresentaram em artigo neste espaço em 15/06/2020 preocupações com as debêntures de infraestrutura por criar mais uma classe de ativos, o que poderia gerar disfunções no mercado uma vez que teriam propósitos semelhantes aos das LCI, LCA, CRI e CRA.
Embora os propósitos dos ativos não sejam semelhantes, pois possuem motivações e objetivos específicos e contemplam investidores com objetivos e perfis distintos, a nova classe de debêntures proposta pelo PL 2.646/2020 é mais ampla.
Diferentemente das classes de ativos atualmente disponíveis no setor, as debêntures de infraestrutura sugeridas têm potencial de tornarem-se um importante mecanismo de acesso à liquidez internacional, pois permitem adotar cláusula de variação cambial para emissões no Brasil e sua emissão diretamente no mercado internacional com igual isenção tributária para os juros decorrentes destes empréstimos externos. Prevê ainda atrativos para títulos que financiem projetos de infraestrutura certificados no âmbito da transição energética – os “greenbonds” – atendendo as preocupações existentes entre os gestores de recursos globais, que cada vez mais decidem alocar investimentos em projetos que sejam certificados ou atendam princípios de sustentabilidade.
Tais economistas ainda argumentam que tal classe de ativos poderia ensejar perda da potência do benefício uma vez que apenas cerca de 60% dos custos fiscais absorvidos pela União seriam efetivamente repassados para redução do custo das debêntures. Há sem dúvida que se refletir formas de potencializar o repasse, mas em um mercado de bilhões de reais dos investidores institucionais, será possível aumentar expressivamente o mercado de colocação destes papéis.
No Brasil, infelizmente, o sistema tributário disfuncional gera uma perda expressiva de oportunidades de investimentos para o país. Seria desejável um tratamento tributário mais linear das novas emissões, fruto de uma reforma tributária ampla que, infelizmente, não deverá ocorrer tão cedo. Assim sendo, temos um projeto de lei essencial para viabilizar um importante canal de novos investimentos com recursos nacionais, internacionais e sustentáveis para o setor.
Venilton Tadini, economista, mestre em Teoria Econômica pela USP, é presidente-executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib). Foi presidente do Banco Fator, diretor das áreas de Infraestrutura e Planejamento do BNDES e diretor da Secretaria do Tesouro Nacional.
Percy Soares Neto, administrador, especialista em economia do meio ambiente, mestre pela UFRGS e estágio doutoral na França, é diretor executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon). Foi coordenador da rede de recursos hídricos da indústria na Confederação Nacional da Indústria.