Os setores de comércio e serviços apontam que a regulamentação da reforma tributária prevista no projeto em exame no Senado (PLP 68/2024) acarrete perda de competitividade das empresas do país, pois poderá aumentar o custo tributário, principalmente para os empreendimentos que estão atualmente dentro do Simples Nacional. Representantes desses setores argumentam que, dessa forma, a tendência é que as empresas repassem adiante esse custo maior, aumentando o preço final para os consumidores.

Essa foi a avaliação apresentada durante os debates promovidos na terça e na quarta-feira pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

A advogada Karoline Lima, da Câmara Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), informa que a entidade tem mais de 500 mil empresas associadas (90% delas micro e pequenas empresas), que, segundo ela, geram mais de 25 milhões de empregos no país.

“A grande maioria dessas micro e pequenas empresas do país optam pelo Simples Nacional e podem perder competitividade com a reforma tributária”, diz Karoline.

Segundo ela, a proposta de regulamentação da reforma tributária em discussão no Senado diminui os créditos tributários que médias e grandes empresas obtêm ao comprar de micro e pequenas empresas que usam o Simples Nacional. Ou seja, os pequenos empreendimentos podem perder clientes para empresas maiores ou até para empresas estrangeiras.

“O creditamento, para quem comprar do Simples, uma empresa média e grande, vai ser um valor menor, o da alíquota paga dentro do Simples Nacional. Ou seja, as empresas que mais serão afetadas serão justamente aquelas empresas do Simples que têm como clientes empresas do lucro real e presumido. Uma média e grande empresa faz planejamento tributário, coloca na conta dela, quando ela vai comprar de um fornecedor, o quanto que isso vai reverter em crédito para ela.”

Também chamado de Super Simples, o Simples Nacional é o Sistema Integrado de Imposto e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte. É um regime tributário diferenciado e simplificado para favorecer as microempresas e empresas de pequeno porte. Considera-se microempresa a que obtém, a cada ano, receita bruta igual ou inferior a R$ 360 mil. Já a empresa de pequeno porte deve ter receita bruta anual superior a R$ 360 mil e igual ou inferior a R$ 4,8 milhões.

“É a micro e pequena empresa que gera emprego neste país. O pequeno empreendedor, que desenvolve o seu negócio nos cantos mais distantes, mais remotos, e nos centros do país, é que gera ali um desenvolvimento econômico na sua região. Tirar a possibilidade de aquela pequena empresa ser competitiva… A gente está falando em destruir empregos e destruir a possibilidade de desenvolvimento econômico.”

A também advogada Francine Fachinello informa que o setor de serviços é o maior do PIB brasileiro e foi o que mais cresceu nos últimos três anos, com aumento de 2,3% apenas em 2023. Especialista em direito tributário, Francine diz que 60% dos empregos com carteira assinada no Brasil estão no setor de serviços.

“Ele cresce dessa forma proporcional ao desenvolvimento e à industrialização local, ou seja, o crescimento e a urbanização concentram uma maior necessidade do setor de serviços. É um dos setores mais importantes e com maior impacto na carga tributária.”

De acordo com ela, o setor atualmente paga 8,65% de impostos sobre seu lucro presumido; com a reforma, essa alíquota chegará a 26,5% ou mais.

“Esse valor vai ser repassado ao consumidor. Vai dar um impacto diretamente no consumidor. Então é necessário, sim, um olhar atento para que nós possamos tentar diminuir os impactos de um setor tão importante para a economia brasileira.”

Uma questão crucial, diz Francine, é que um dos maiores custos do setor de serviços é a mão de obra, que não vai gerar crédito tributário para as empresas, já que os novos tributos da reforma não incidem sobre a folha de pagamento.

“Hoje a gente fala de uma alíquota de 8,65%. Nós estamos falando da incidência de uma alíquota muito maior, 26,5%, e não dando direito a crédito. É um setor em que a tributação vai sofrer um aumento muito significativo e nós precisamos ter esse olhar atento do legislador para justamente diminuir esse repasse ao consumidor final e garantir aí o futuro da economia no Brasil.”

Por sua vez, a especialista Márcia Sepulveda, do Observatório Político do Setor de Serviços, argumenta que a prestação de serviços envolve cadeias produtivas menores, que geram menos créditos tributários para as empresas. Ela reforça o argumento de que a folha de pagamentos de pessoal do setor de serviços já tem alta carga tributária, que poderá aumentar ainda mais com a regulamentação da reforma, mas sem créditos tributários.

Na avaliação de Felipe de Sá Tavares, da Confederação Nacional do Comércio, Serviço e Turismo (CNC), a reforma tributária aprovada pelo Congresso conseguirá a tão almejada simplificação do sistema tributário, mas dificilmente alcançará os objetivos de redução da carga tributária e de diminuição da judicialização tributária.

“A gente vai ter menos normativos e um sistema mais enxuto e mais fácil de lidar, mas a diminuição de impostos a gente não alcançou. O Brasil vai alcançar agora a posição não muito feliz de primeiro colocado do mundo em termos de alíquota; a gente vai ter a maior alíquota do planeta.”

Ele disse que a CNC representa algo em torno de 30% do PIB brasileiro. Em seus cálculos, com a reforma, o setor do varejo terá 18% de aumento em sua carga tributária, e o aumento para o setor de serviços poderá ultrapassar os 80%.

“Isso não quer dizer que só é difícil para esse empresário fazer negócio; isso quer dizer que toda a cadeia que depende do varejo ou que depende do setor de serviços será impactada via sua estrutura de custos ou perda de dinamicidade nas suas vendas.”

Já projeção realizada pela Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon) indica que uma mudança há tempos solicitada pelo setor na reforma tributária – a equiparação com a atividade da saúde – poderia beneficiar 3,2 milhões de famílias sem capacidade de arcar com os custos integrais da conta de água e esgoto, em todo o país. Caso a equiparação seja aprovada, a redução na tarifa para essas famílias seria de 10,2% em relação ao modelo hoje proposto (pagamento integral da alíquota-base do novo IVA a ser implantado).

O levantamento mostra ainda que o atual enquadramento do setor na reforma tributária deverá onerar em 6,5% a tarifa social, retirando recursos de quem precisa do serviço e, de quebra, afetando o equilíbrio financeiro e os contratos das empresas que, de acordo com o marco legal do setor, devem garantir a universalização dos serviços de água e esgoto até 2033. Esse percentual já considera o cashback, proposto no texto atual da reforma.

O impacto da reforma tributária sobre o saneamento faria com que o setor deixasse de ser onerado em 9,74% sobre a receita bruta para arcar com uma alíquota de 26,5%, conforme texto enviado ao Congresso pelo Ministério da Fazenda. Com isso, não apenas a tarifa social será afetada, mas toda a cadeia atendida. O aumento médio na tarifa será de 18%, conforme estudo da GO Associados.

“Um aumento substancial da carga tributária seria catastrófico para o setor, justamente no momento em que temos uma janela de oportunidade de expansão de investimentos, a partir da segurança jurídica trazida pelo marco legal. Todos os contratos de concessões, mais de mil deles em todo o país, precisarão ser revistos, em um processo moroso, que acabará afetando o esforço em curso para alcançar a universalização”, afirma a diretora-executiva da Abcon Sindcon, Christianne Dias.

O Brasil ainda possui 30 milhões de pessoas sem água tratada e quase 90 milhões sem acesso ao esgotamento sanitário adequado. Atualmente, 74,5% das pessoas que não estão conectadas à rede de coleta de esgoto, tem rendimento mensal abaixo de um salário-mínimo. “Todo o investimento que está projetado e pode ser comprometido afeta principalmente os mais vulneráveis”, completa a diretora-executiva da Abcon Sindcon.

O setor reivindica em Brasília a equiparação com a atividade da saúde, o que garantiria a chamada neutralidade – a manutenção da atual carga tributária -, que é, inclusive, um dos princípios da reforma tributária. “Não estamos pedindo tratamento especial, muito menos redução da tributação. Mas entendemos que o saneamento precisa ser reconhecido como serviço essencial na reforma tributária. Não se pode penalizar uma atividade de tamanho impacto social e, pior, que, ao contrário da energia elétrica, por exemplo, está longe de ser um serviço universalizado no país”, pontua a executiva.

“Com a reforma tributária nos moldes atuais, será impossível garantir saneamento a quem mais necessita desse serviço básico”, finaliza a diretora da Abcon Sindcon.

A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado vem promovendo uma série de audiências públicas para debater a regulamentação da reforma tributária prevista no PLP 68/2024. Nesta semana, o foco foi ouvir representantes dos setores de comércio e serviços.

A CAE vai promover audiência pública, na próxima terça-feira às 14h, para debater o cashback e a isenção da cesta básica nacional previstos no primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária (PLP 68/2024). O requerimento para a audiência (REQ 66/2024) foi apresentado pelo presidente da comissão, senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO).

A audiência faz parte do ciclo de debates solicitado por Vanderlan para ajudar o grupo de trabalho coordenado pelo senador Izalci Lucas (PL-DF) criado na CAE para apresentar sugestões de ajustes ao projeto de regulamentação

A reforma foi promulgada em dezembro de 2023, como Emenda Constitucional 132. O PLP 68/2024, em discussão no Senado, tem o objetivo de regulamentar essa reforma. A reforma substitui, gradualmente, cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) por três: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo. O objetivo é simplificar e modernizar o sistema tributário brasileiro.

Com informações da Agência Senado