Trabalho da agência nos novos moldes será decisivo para o setor alcançar um ambiente regulatório com maior estabilidade, previsibilidade e robustez técnica 

Desde julho do ano passado, quando foi sancionada a Lei Federal 14.026/20, conhecida como o Novo Marco Legal do Saneamento, a ANA passou a se chamar Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. A renomeação da agência sediada em Brasília trouxe também novas responsabilidades. 

Vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, a autarquia federal passa agora a emitir normas de referência sobre: padrões de qualidade e eficiência na prestação, na manutenção e na operação dos sistemas de saneamento básico; regulação tarifária desses serviços; padronização dos instrumentos negociais; metas de universalização e redução da perda de água, entre outras funções. 

Para entender como a ANA está se estruturando para as novas incumbências e atuará no processo de regulação, a Revista Canal conversou com a diretora-presidente da agência, Christianne Dias.

Bacharelada em direito pela Universidade Católica de Brasília (2002), especialista em direito empresarial pela Universidade Federal de Santa Catarina (2006), mestra em direito e políticas públicas e doutoranda em Direito, ambos pelo Centro Universitário de Brasília, Christianne Dias atuou como subchefe adjunta e coordenadora de Infraestrutura da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República de maio de 2016 a janeiro de 2018. Desde então, ocupa a função de diretora-presidente da ANA, em um mandato de quatro anos. 

Revista Canal – Qual é o status da ANA neste momento em relação à sua nova função de regulação do saneamento? Como ela está se preparando? Haverá concurso para a contratação de pessoal dedicado a essas funções? 

Christianne Dias – Com o novo marco estabelecido pela Lei 14.026/2020, a ANA recebeu esse importante papel de elaborar normas nacionais de referência para o setor, que servirão como balizadores das melhores práticas para os normativos das agências reguladoras infranacionais de saneamento básico do País. Espera-se, assim, alcançar um ambiente regulatório com maior estabilidade, previsibilidade e robustez técnica em todo o Brasil. 

Cabe reafirmar que a ANA não irá regular diretamente os serviços, mas sim instituir as normas de referência para regulação do setor. 

A regulação direta seguirá sendo feita pelas agências reguladoras infranacionais, que poderão aderir a esses normativos da ANA. O incentivo ao cumprimento dessas normas é o acesso aos recursos públicos federais e aos financiamentos com recursos da União. 

Paralelamente à discussão do novo marco para o setor, a ANA já vinha se preparando para o desempenho dessa missão. Em 2018, por meio da Portaria 301/2018, criamos um grupo de trabalho com o objetivo de acompanhar o tema junto ao Congresso Nacional. Em 2019, instituímos um novo GT, ainda atuante, com objetivo de propor medidas para a implementação no novo marco e para a execução das funções previstas para a agência com a nova legislação. 

Também trabalhamos em nossa estrutura, a ser objeto de decreto presidencial, de forma a incorporar os cargos previstos na lei e formar a equipe técnica e as unidades organizacionais dedicadas ao setor. Além disso, aguardamos a aprovação de concurso público para a ampliação do corpo de servidores que reforçarão a equipe técnica no campo do saneamento. 

Até o momento, o GT Saneamento vem atuando, com o apoio de equipes da ANA e pessoal requisitado de outros órgãos e entes do governo, para dar cumprimento aos comandos do novo marco legal.

RC – Quando ela estará atuando efetivamente nessa função? 

CD – Mesmo com essa estrutura provisória, já conseguimos levar à consulta pública a proposta de agenda regulatória para o setor. Concluímos o manual de procedimentos para a elaboração pela ANA dos normativos relativos ao setor. A Norma de Referência nº 1 – que dispõe sobre o regime, a estrutura e parâmetros para a cobrança pela prestação do serviço público de manejo de resíduos sólidos urbanos – já está em consulta pública. 

Está em andamento estudos contratados para tratar de assuntos que serão objeto de regulamentação pela agência, como os padrões e indicadores de qualidade e eficiência dos serviços; o reequilíbrio econômico-financeiro previsto para os contratos licitados, nos termos do art. 11-B, da Lei nº 11.445/2007; e outro ponto importante, que é a indenização de ativos, este em parceria com o Ministério da Economia; dentre outros temas que estão previstos na nossa agenda regulatória. 

RC- Qual é o grande desafio da ANA agora? 

CD – Dado que já estamos implementando nossas competências, creio que o destaque seria agora a organização interna da agência, o que esperamos para breve, uma vez que já foi publicado nosso decreto de estrutura. Também aguardamos a autorização de concurso público para preenchimento de 62 cargos efetivos de nível superior da ANA, que estão vagos em sua maioria por aposentadoria. 

Uma outra questão, que virá ao longo do tempo é o ganho de mais expertise com os temas a serem tratados, o que nos permitirá avançar com mais celeridade nas análises e proposições para o setor. Lembrando sempre que nossas normas serão estabelecidas de forma progressiva, sempre zelando pela segurança jurídica na prestação e regulação dos serviços, conforme dispõe o novo marco. 

RC- Em que fase está agora o cronograma de entrada na regulação? 

CD – O cronograma para a atuação da ANA para o biênio 2021-2022 está contido na Agenda Regulatória, que é um instrumento de planejamento da atuação regulatória sobre temas prioritários para um determinado período. Fizemos reuniões com segmentos do saneamento para ouvir representantes de entidades e associações representativas do setor e das agências reguladoras infranacionais, dentre outras. Assim, colhemos as sugestões mediante consulta pública realizada pela ANA. 

As diretrizes para a construção dessa agenda foram feitas com vistas a atender aos prazos estabelecidos no novo marco. Também consideramos a adequação dos temas escolhidos à capacidade operacional da agência em formular as normas e também à demanda das agências infranacionais e prestadores de serviços em se adaptarem às novas exigências, entre outros fatores. 

RC- Como está sendo (ou será) o relacionamento da ANA com as agências infranacionais? Na prática, o que já mudou? 

CD – Temos feito um trabalho de articulação e discussão com todos os atores do setor, dentro e fora do governo federal, seja por meio de consultas públicas, reuniões, debates e interlocução frequentes com a academia, as equipes das agências infranacionais e todos os que detêm experiência no tema. Temos uma agenda complexa e desafiadora pela frente e vamos aproveitar os trabalhos e experiências já acumuladas. 

RC- A tendência com a formação de blocos de municípios, induzida pelo novo marco, fortalecerá a importância da ANA entre o poder municipal? Prefeitos demandarão a agência? 

CD – O órgão responsável pela política pública do setor de saneamento básico é o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) e, no caso, da Política Nacional de Resíduos Sólidos, o Ministério do Meio Ambiente. A ANA participa das discussões no âmbito do governo federal, em especial, no Comitê Interministerial de Saneamento Básico (CISB), que tem debatido a questão da regionalização e atuado para implementar a parcela da política pública que lhe foi atribuída pelo marco legal. 

A instância também tem definido as normas de referência e diretrizes para o setor a serem observadas pelas agências infranacionais e prestadores de serviços, uma vez que a observação dessas normas é uma das condições para acesso aos recursos da União.

RC – Do ponto de vista da regulação, quais são os maiores riscos da transição para o novo modelo instaurado pelo marco legal/Lei 14.026/20? 

CD – A primeira fase da transição se efetuará até março de 2022, data na qual os contratos terão que ser adaptados, inclusive para contemplar as metas de universalização preconizadas pelo novo marco. 

Temos ainda os decretos regulamentadores a serem editados, a formação dos blocos de referência de forma subsidiária pela União – isso se até julho do corrente ano os estados não constituírem as unidades regionais de saneamento. 

Todas essas etapas mencionadas são importantes para a implementação da nova lei. Um risco foi afastado com a apreciação e aprovação do veto presidencial ao artigo 16 da Lei 14.026/20, que termina com a possibilidade de prorrogação dos contratos de programa por mais 30 anos. 

RC – Uma das dúvidas levantadas por nossa reportagem é referente aos ganhos de eficiência do prestador em contratos de concessão. Por exemplo, uma concessionária quer investir, com recursos próprios, em instalação de painéis solares para reduzir significativamente os custos de produção. Há entendimentos de que este ganho deve ser revertido para redução na tarifa. Porém, isso pode induzir os concessionários a deixar de investir em tecnologias. Como a agência pretende agir neste caso? 

CD – Entendemos a importância dos ganhos de produtividade e o tema será levado em consideração e discutido com as partes afetadas quando da elaboração das normas de referência para o setor. 

RC – Há outras orientações que já podem ser adiantadas sobre tarifa e outras regras supranacionais? 

CD – Os temas e o cronograma estão na Agenda Regulatória e estão sendo objeto de estudo pela nossa equipe. No decorrer dos trabalhos, serão objeto de consulta pública. 

RC – Como a ANA avalia o Decreto 10.588/20? E a expectativa pelos demais decretos de regulamentação que virão? 

CD – Participamos das discussões de formulação do decreto nº 10.588/20. Entendo que o texto cumpre suas funções em termos de regulamentar o artigo 13 da Lei nº 14.026/2020 e o art. 50 da Lei nº 11.445/2007, dispondo sobre o apoio técnico e financeiro da União e a alocação de recursos federais. 

O Decreto que regulamenta a estrutura da ANA foi publicado em 2 de março. Até o momento fizemos uma estrutura provisória que vem respondendo às demandas mais urgentes. Mas precisamos das estruturas e do efetivo adequado de pessoal para bem cumprir nossas competências.