O custo com a perda física de água no sistema é grande. Calcula-se que a cada ano são jogados fora o equivalente a R$ 8 bilhões, devido a falhas no sistema de distribuição de água.

A cada ano, 6,5 bilhões de m³ de água são desperdiçados nos sistemas de distribuição urbanos em todo o país. Isso representa, aproximadamente, 39% de toda a água produzida para o consumo no Brasil. Para reverter esse quadro, governo, sociedade civil organizada e o setor privado lançaram no final do ano passado em Brasília a campanha Menos Perda, Mais Água.

A ABCON e o SINDCON estão entre as mais de 40 organizações apoiadoras do movimento, que, inclusive, já destacou Piracicaba como exemplo e deve incluir também as cidades de Campo Grande e Limeira, ambas com concessão plena à iniciativa privada, em uma cartilha de boas práticas sobre o assunto.

Nesta entrevista, Mário Pino Neto, coordenador do movimento na empresa Braskem, fala sobre o propósito da iniciativa e como ela poderá contribuir para deixarmos de conviver com essas pesadas perdas no abastecimento de água, que afetam a economia, a saúde e o meio ambiente.

Nosso entrevistado é gerente corporativo de desenvolvimento sustentável da Braskem, com mestrado em meio ambiente e graduação em engenharia mecânica. Possui 20 anos de experiência com atuação nos setores químico, petroquímico, óleo e gás e mineração, e já realizou qualificações na área de liderança transformadora e sustentabilidade no MIT – Massachusetts Institute of Technology, IMD – Institute for Management Development e UCAM – University of Cambridge.

 

O que é e no que consiste o movimento “Menos Perda, Mais Água”?

O Movimento pela Redução de Perdas de Água na Distribuição é uma inciativa da Rede Brasil do Pacto Global das Nações Unidas, liderada pelas empresas Braskem e Sanasa. Seus principais objetivos são a criação de um amplo debate sobre as perdas de água nos sistemas de distribuição, com a participação de governos, sociedade civil e setor privado; e o engajamento de municípios previamente selecionados, com uma agenda de ordem prática focada no desenvolvimento de um programa contra perdas.

O Movimento pretende ser uma etapa preparatória para a adoção e monitoramento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no Brasil, especialmente ODS 6, que aponta para “garantir a disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos”, e ainda estabelece como meta até 2030 “aumentar substancialmente a eficiência do uso da água em todos os setores, assegurar retiradas sustentáveis ao abastecimento de água doce para enfrentar a escassez de água e reduzir substancialmente o número de pessoas que sofrem com a escassez de água”.

Esses ODS foram lançados em setembro do ano passado, durante a Assembleia Geral da ONU, e homologados pelos 193 países-membros, inclusive o Brasil.

A criação do Movimento surgiu da compreensão de que um dos grandes desafios para melhoria da eficiência da gestão da água no país é o enfrentamento da perda de água no sistema de distribuição urbano. Segundo recente estudo do Instituto Trata Brasil, o índice de perdas nacional é de 39%, o que representa cerca de 6,5 bilhões de m³ por ano, contabilizando R$ 8,0 bilhões em prejuízos para o Brasil. Enfrentar essa realidade se faz urgente, especialmente pela busca por soluções para a crise hídrica pela qual passamos, o que exige um esforço conjunto de toda a sociedade.

O escopo do Movimento prevê o fortalecimento dos conhecimentos sobre perdas por parte da população, a disseminação de boas práticas, capacitação de atores estratégicos, engajamento de organismos públicos e a atuação dos municípios. O cronograma possui marcos importantes, como as eleições municipais de 2016, e prevê a apresentação dos primeiros resultados em 2018, durante o Fórum Mundial da Água, que acontecerá no Brasil. A meta final é colaborar para um novo cenário brasileiro em 2030.

 

Como o movimento pretende acelerar o processo de redução de perdas até lá?

Temos três principais focos de atuação: primeiro, promover um amplo debate com a participação de governos, sociedade civil e setor privado para engajar prefeituras e organizações com o Movimento, visando assegurar escala mínima de transformação; segundo, harmonizar os cálculos de indicadores de perdas de água na distribuição, para permitir a comparabilidade de resultados entre as cidades e o reconhecimento das cidades que atingirem resultados satisfatórios no combate às perdas; e, por fim, disseminar boas práticas, conhecimentos e tecnologias e capacitar atores estratégicos em instrumentos de financiamento e projeto de redes de distribuição de água, visando facilitar o acesso a recursos financeiros para a implementação do plano diretor de combate às perdas físicas, bem como garantir a qualidade dos projetos de engenharia.

 

Quando a iniciativa foi lançada?

O lançamento aconteceu no dia 25 de novembro do ano passado, durante o 21º Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, em Brasília, com a presença do coordenador-residente do Sistema Nações Unidas e representante- residente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, Niky Fabiancic; do governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg; do presidente do Comitê Brasileiro do Pacto Global, André Gustavo Oliveira; do presidente da ANA, Vicente Andreu Grill; e do presidente da Sanasa, Arly de Lara Romêo. O evento contou ainda com o prefeito de Piracicaba, Gabriel Ferratto.

 

Quais foram as ações já realizadas?

A primeira etapa do Movimento, prévia ao seu lançamento, foi de engajamento. Trabalhamos visitando organizações, promovendo reuniões e ministrando palestras em seminários, fóruns e eventos Brasil afora.

Importante destacar que, no lançamento, já contávamos com uma cidade piloto, Piracicaba, experiência que denominamos ‘Cidade Transformadora’. Os pilares agora trabalham acompanhando o desenvolvimento do programa de redução de perdas de Piracicaba, hoje registradas em 50%, mas tendo como meta a redução para 25% até 2018.

Pretendemos lançar em breve a Carta Compromisso, uma carta na qual o candidato a prefeito se compromete em se empenhar após eleito pela redução de perdas em sua cidade. Ao mesmo tempo, trabalhamos na finalização de uma cartilha com as melhores práticas, na qual apresentaremos os casos de sucesso das cidades paulistas de Campinas e Limeira, Maringá, no Paraná, e Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. A cartilha terá, inclusive, uma versão online.

 

Em 2018, teremos no Brasil o Fórum Mundial da Água. Até lá, o senhor acredita que o movimento já tenha bons resultados para apresentar?

Sim, em 2018 o Movimento pretende reconhecer as melhores iniciativas dos prefeitos que se comprometeram por meio da Carta Compromisso e se empenharam pela redução de perdas em suas cidades. Não será uma premiação, mas um reconhecimento pelo qual desejamos dar notoriedade às melhores práticas, para que sirvam de exemplo.

 

Além das cidades que o senhor já mencionou, há outros bons exemplos entre as concessões privadas, como o de Palestina, pequena cidade do interior paulista, onde o índice de perdas no sistema é de apenas 10% da água que distribui, algo que só países como Japão e Estados Unidos conseguem alcançar. Diante desses números, como você avalia a participação da iniciativa privada e suas concessionárias nesse esforço de redução de perdas?

Certamente, a iniciativa privada tem um papel muito importante nesta iniciativa, não apenas as de saneamento. Há empresas de tecnologia, por exemplo, que podem muito contribuir para este novo cenário. No entanto, é preciso entender que reduzir perdas é também uma questão de política pública, e que precisa ser considerada relevante para o município. É preciso encorajar a sociedade a discutir o tema e conscientizar os gestores públicos da sua importância.

 

E entre o setor público, quais medidas merecem ser citadas?

A Sanasa, parceira no projeto, é um exemplo de empresa de economia mista que enfrentou o problema e conseguiu reduzir perdas de faturamento em 20 anos.

 

 

Conheça os pilares do movimento “Menos Perda, Mais Água”:

 

Políticas Públicas: Promover e influenciar o debate; Engajar stakeholders; Conscientizar sobre a agenda com as esferas pública e privada, nacional e internacionalmente; Promover a boa governança.

Narrativa: Definir a estratégia de comunicação; Construir base de aprendizados com outras iniciativas; Usar comunicação como ferramenta de engajamento do grupo.

Indicadores: Cálculo e definição de objetivos e cenários para a redução de perdas; Desenvolvimento de diagnósticos com municípios; Coleta de casos de sucesso internacionais; Harmonização da metodologia.

Soluções: Capacitação de públicos estratégicos; Inovações: produtos e serviços; Instrumentos de financiamento.