Com apetite para investimentos maciços, mercado de saneamento aguarda as medidas que vão regulamentar o marco do setor 

Há um ano sob o impacto da pandemia, o Brasil segue perseguindo avanços em saúde e desenvolvimento econômico, os dois principais temas da agenda nacional nos últimos meses. 

Saneamento é provavelmente o setor mais diretamente envolvido com essas prioridades. E o mercado relacionado aos serviços de água e esgoto se encontra num momento decisivo para deslanchar nos próximos anos. 

Sinais positivos e apreensões se misturam no atual cenário. O maior projeto de infraestrutura do país em andamento é o leilão da Cedae, previsto para abril, o que demonstra o porte dos investimentos que estão sendo aguardados no saneamento nos próximos anos. 

Por outro lado, enquanto o entorno regulatório do novo marco legal do setor, a Lei 14.026, não é consolidado, há uma natural cautela para novos projetos. Dados de uma pesquisa feita pela consultoria Radar PPP indicam que o número de iniciativas de concessões e parcerias em saneamento lançadas em 2020 foi menor do que o registrado no ano anterior, num sinal de que o setor ainda espera a qualificação da regulação para aquecer os negócios. 

O andamento da regulamentação do novo marco é acompanhado de perto pela ABCON SINDCON, que procura levar suas contribuições à formulação desse novo modelo que está sendo construído a partir da Lei 14.026. 

Em dezembro, foi publicado o decreto 10.588/20, que traz as regras para o apoio técnico e financeiro da União aos estados e municípios no saneamento. Um dos aspectos mais importantes desse decreto são as diretrizes para a regionalização, ou seja, a formação de blocos regionais de municípios que permitirão a escala necessária para que as operações de saneamento sejam sustentáveis financeiro e economicamente e proporcionem como resultado a universalização dos serviços no país. 

Para implementar a regionalização, a União está se empenhando no apoio à adesão dos municípios aos blocos regionais, que deverão ser formados pelos governos estaduais a partir das recomendações do decreto. 

No dia 2 de março, outro decreto considerado fundamental para a consolidação do marco, o que dispõe sobre as novas atribuições da ANA, foi publicado. Em seguida, no dia 17 de março, o Congresso aprovou os vetos do Executivo à lei. Publicados em 15 de julho, juntamente com a sanção presencial à Lei 14.026, os 12 vetos do Executivo são considerados essenciais pelas operadoras privadas para manter o espírito do novo marco, que é estabelecer um novo modelo de competição, abrindo o mercado para a concorrência, a fim de alcançar, com o fluxo de novos investimentos, a universalização dos serviços, hoje ausentes, no caso do tratamento de esgoto, para aproximadamente metade da população brasileira. 

Agora, são esperados novos avanços. “O setor privado aguarda que o governo federal construa em torno da ANA uma articulação consistente para a qualificação da regulação do saneamento, o que é fundamental para que os investimentos deslanchem com a Lei 14.026”, afirma o diretor executivo da ABCON SINDCON, Percy Soares Neto.

“Isso significa evoluir com a agenda positiva, que inclui a complementação do arcabouço jurídico em torno do novo marco, com a edição do decreto que vai definir os parâmetros de capacidade econômico-financeira das empresas que atuam no setor”, destaca Percy. 

“Concluída a análise no Congresso dos vetos do Executivo ao marco legal, há três pontos de atenção para a iniciativa privada do ponto de vista do novo marco legal. O primeiro deles é o decreto regulamentador da ANA, que também acaba de ser publicado e viabilizará as condições objetivas de atuação da agência dentro das funções que lhe foram atribuídas pelo novo marco. Temos agora pela frente a publicação do decreto que legislará sobre a capacidade econômico-financeira dos operadores e, por fim, a revisão do decreto 7217, regulamentador do próprio marco legal”, completa Carlos Henrique da Cruz Lima, presidente do Conselho de Administração da ABCON SINDCON. 

O papel fundamental dos prefeitos

 

Processo de formação dos blocos regionais está em andamento e merece o exame criterioso de cada administração municipal 

Entre as atribuições de cada prefeito e suas respectivas equipes de governo estão a revisão ou elaboração do Plano Municipal de Saneamento e, até o final de 2022, a revisão dos contratos de concessão dos serviços, que precisam ter metas claras de avanço nos índices de cobertura. Ainda como titular dos serviços, o município ou bloco de municípios precisam definir qual será a agência reguladora. 

A concessão pode ser feita a partir de editais, com concorrência entre operadoras públicas e privadas. Outras opções são a operação direta ou em gestão associada, em consórcios de municípios. Porém, muitos municípios deverão se incorporar aos blocos regionais que estão sendo montados em cada estado e, dessa forma, delegarem suas concessões no âmbito desse modelo. 

Uma preocupação imediata dos gestores municipais é exatamente escolher a melhor forma de conduzir a adesão – ou não – aos blocos regionais que serão formados a partir das diretrizes do decreto 10.588/20. De acordo com o cronograma definido pela lei, até 31 de março de 2022 o município deve aderir a um bloco formado pelos governos estaduais, a ser estabelecido inicialmente até 15 de julho deste ano. Após esse prazo, o Poder Executivo federal estabelecerá os blocos de referência para a prestação regionalizada. Se o estado, porém, instituir a regionalização antes dessa data, a recusa do município em aderir será sancionada com a perda de acesso a recursos federais. 

Em resumo, a adesão não é obrigatória, mas, caso o município não se incorpore a nenhum bloco, não terá direito ao acesso a recursos onerosos e não onerosos da União para o saneamento. De forma prática: Municípios que não aderirem a um desses blocos ou não tiverem concessão ou PPP que estivessem vigentes até 24 de dezembro do ano passado (data de publicação do decreto), ou ainda não estiverem com um projeto em estruturação pelo BNDES ou Caixa Econômica Federal até essa mesma data, perderão o direito de pleitear esses recursos da União. 

 

Segundo o consultor Victor Carvalho Pinto, sócio do escritório Viana, Castro, Apparecido e Carvalho Pinto Advogados, a lei prevê a formação pelos estados das unidades regionais. “Caso os estados não cumpram essa obrigação, a União pode fazê-lo. Caso o território da unidade regional ou bloco coincida com o de uma região metropolitana, nenhuma providência adicional é necessária. Caso contrário, será preciso formalizar por meio de consórcio ou convênio de cooperação”, explica. 

“Estabilidade para o fluxo de investimentos é o que se espera do processo de regionalização”, resume o diretor executivo da ABCON SINDCON, Percy Soares Neto. 

De acordo com os últimos dados do SNIS, o Brasil possui 888 delegações/ concessões vencidas ou sem formalização. O encaminhamento para a formalização dos contratos ou realização de concorrência para a concessão passa pela decisão dos municípios. 

 

Aprovação de vetos manteve espírito do novo modelo

 

Manutenção do veto à renovação dos contratos de programa foi essencial para garantir a isonomia na competição 

Publicados em 15 de julho de 2020, juntamente com a sanção presencial à nova lei, os 12 vetos do Executivo ao novo marco do saneamento (Lei 14.026/20) foram finalmente votados no dia 17 de março de 2021. A manutenção dos vetos foi uma medida positiva para o mercado. 

A ABCON SINDCON havia realizado uma análise prévia da pertinência de cada um dos vetos, tendo como premissa a efetividade do novo marco legal do saneamento para estabelecer um novo modelo de competição no setor, que será estratégico para a retomada do crescimento econômico. 

O veto mais polêmico, o do artigo 16, que trata da possibilidade da renovação dos contratos de programa vigentes por até mais 30 anos, não foi apenas fundamental para manter a indução à competição e abertura do mercado, como também se constituiu num ato de respeito à Constituição Federal, que, em seu artigo 175, mostra a evidente ilegalidade de conceder serviços públicos de água e esgoto sem licitação.

Além disso, conforme a Lei 8.987/95, em seu artigo 14, toda concessão de serviço público deve ser objeto de prévia licitação. Dessa forma, permitir a concessão de serviços públicos sem processo licitatório, como estabelecia o artigo 16 do texto que veio a se tornar o novo marco legal do saneamento, é uma afronta direta à Constituição Federal. 

A derrubada desse veto não era justificável, uma vez que os prestadores públicos do setor, defensores dessa medida, já demonstraram ter apetite por licitações abertas. Seria injusto que essas companhias concorressem sob o modelo do novo marco e ainda mantivessem a reserva de mercado dos contratos de programa por mais 30 anos. 

 

Atuação da ANA ampliada em decreto 

 

No dia 2 de março, um decreto alterou a estrutura da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), a fim de adequá-la às exigências estabelecidas pelo novo marco regulatório do setor. A medida era muita aguardada pelo mercado de saneamento. O decreto aprova a nova estrutura regimental da ANA em função do atual marco regulatório do setor, a Lei 14.026, vigente desde julho de 2020, que atribui novas competências à agência. 

“Com o novo decreto, o governo federal segue avançando na implementação do novo marco regulatório, proporcionando as condições objetivas para que a ANA cumpra seu papel no saneamento”, afirma Percy Soares Neto, diretor executivo da ABCON SINDCON. 

Além da gestão integrada dos recursos hídricos, a agência passa a trabalhar nas diretrizes nacionais de regulação para o setor, exercendo um papel fundamental para que sejam asseguradas as condições necessárias a fim de que o Brasil possa atingir a universalização dos serviços de água e esgoto, o grande objetivo do novo marco do saneamento 

 

Geração de empregos em plena crise

 

Na contramão do cenário de incertezas econômicas, o setor de saneamento tem ótimas perspectivas para os próximos anos. Um dos incrementos mais aguardados com a evolução do setor a partir de um novo marco regulatório é a geração intensiva de empregos em todo o país. Com os leilões realizados e mais os previstos para 2021, o Ministério da Economia estima a geração de cerca de 700 mil postos de trabalho. 

De acordo com projeção realizada pela ABCON SINDCON e ABDIB, com base em estudo inédito sobre o impacto econômico da concessão de serviços da Cedae, no Rio de Janeiro, a injeção será de R$ 46 bilhões na economia e criação de 400 mil empregos diretos e indiretos, apenas com o certame da companhia fluminense. 

Entre os setores que serão beneficiados e vão acelerar a oferta de empregos estão a construção civil, fabricantes de máquinas, equipamentos e materiais plásticos, tecnologia e serviços. Uma vez que as concessionárias estarão espalhadas por todo o estado, haverá grande incremento de contratações locais. Para o Rio de Janeiro, que enfrenta grave situação fiscal, o impacto em arrecadação de impostos chega a quase R$ 1,4 bilhão com destaque para o ICMS, com previsão de arrecadação de cerca de R$ 633 milhões. 

 

Acre pode triplicar recursos 

 

Enquanto alguns estados estão solucionando a questão do saneamento e garantindo investimentos e geração de empregos, outros correm para assegurar novos recursos no setor. É o caso do Acre, que possui modelagem específica, preparada pelo BNDES, para solucionar o déficit de serviços de água e esgoto.

A concessão idealizada para o Acre vai triplicar o investimento do estado em saneamento. O projeto prevê investimentos de R$ 1,4 bilhão para universalização na área urbana do abastecimento de água em quatro anos e do esgotamento sanitário em dez anos. 

Os investimentos previstos irão mudar completamente a realidade do saneamento acreano, que atualmente recebe investimentos médios anuais inferiores a R$ 50 milhões. Hoje, o abastecimento de água no estado atinge menos de 50% da população. No caso da coleta de esgoto, esse índice é de apenas 10%. 

Para se ter uma ideia da importância desse investimento, o volume de recursos previstos supera toda a produção industrial anual do estado (R$ 1,1 bilhão). Um impacto sem precedentes na economia local, com geração de emprego e renda. 

Além da universalização, o projeto do BNDES prevê o fim das interrupções no abastecimento e a redução no desperdício de água, chamado de perdas, que atualmente são superiores a 60%.