Amyr Klink, 62 anos, começou a frequentar a região de Paraty com a família, ainda pequeno. Aos dez anos, comprou uma canoa, a primeira de suas embarcações. A relação com a água o tornaria famoso – e também motivaria uma série de desafios como viajante e empreendedor.

Entre seus feitos estão a primeira travessia a remo do Atlântico Sul, em 1983, e a jornada ao continente antártico, em 1990, sua estreia como velejador, que durou 642 dias, dos quais precisou ficar imobilizado ao longo de sete meses no rigoroso inverno do Polo Sul.

“Nunca tivemos a preocupação com o saneamento, nunca fomos propensos a encarar a falta de tratamento de esgoto como um problema”

Na entrevista a seguir, o escritor e velejador fala sobre essa relação e da forma como o Brasil poderia proteger melhor seus mananciais.

Quando você começou a velejar?

Foi no início da década de 80. Paraty me inspirou a viajar pelo mundo em um barco. Mas não foi algo assim imediato. Não tenho a habilidade dos franceses, não nasci em cima de um barco. As pessoas imaginam que eu me dedicava aos projetos de navegação desde cedo, mas não foi assim. Estive envolvido com outras iniciativas, como empresário, até que decidi fazer algo novo, diferente. A questão não era dinheiro. Queria fazer algo iné- dito. Morava em Paraty. Comecei a observar os barcos que passavam por lá. Apesar de ser um neófito, acompanhava as tendências de embarcações, materiais, design, relatos de viagens em latitudes extremas. Mas não me via como um protagonista desses projetos.

Quais foram as principais dificuldades?

Na Europa, há uma cultura de patrocínio a pessoas que se dedicam a viagens e competições globais. Aqui é diferente. Não basta querer apenas jogar bola, é preciso organizar o time. Precisa tornar a viagem economicamente viável. Por isso, criei uma estrutura que viabilizasse minhas viagens, algo que não existia no Brasil. E sempre quis ter um equipamento extremamente confiável para navegar. Daí surgiu a ideia da profissionalização. Veio então o escritório de projetos, o estaleiro em Paraty. Quando decidi fazer a primeira viagem para a Antártica, em 1990, abrimos o estaleiro e construímos o barco Paratii Ao final, realizei o que imaginava, não apenas no mar, mas também como construtor. Hoje, o Paratii está ainda melhor do que há 30 anos. É um barco que navega desde aquela época com seu projeto original.

Foi preciso um grande esforço de gestão para conseguir esse resultado?

Sim, gestão e planejamento são fundamentais em qualquer empreendimento. Gosto de executar, mas gosto também de ouvir. Delego bastante, mas observo muito. Gosto de entender uma outra opinião. No processo de construção de máquinas complexas, isso é muito importante. E também gosto de formar equipes, aproveitando a mão de obra local.

No saneamento, ter um bom projeto também é importante. A sua experiência comprova que isso também é verdade para a navegação, correto?

Sem dúvida. A palavra sucesso pode ser ilusória. O sucesso de uma viagem é o sucesso de um projeto, e isso é algo muito gratificante. Todas as ideias que tive poderiam ter “morrido na praia”, se não tivéssemos um bom projeto. Então o sucesso deve ser creditado ao projeto.

O Brasil possui um grande déficit na coleta e tratamento de esgoto, o que afeta diretamente a preservação de nossos rios, mares e mananciais, sem falar nos danos à saúde pública e bem-estar da população. Diante desse quadro, você concorda que saneamento precisa ser uma prioridade nacional?

Sim, é evidente, mas isso depende de uma mudança de cultura. Nós nunca tivemos essa preocupação com o saneamento, nunca fomos propensos a encarar a falta de tratamento de esgoto como um problema. Se você viaja muito pelo Brasil, como eu viajo, vê cenas lastimáveis, praias belíssimas contaminadas pelo esgoto. E achamos isso natural, despejar o esgoto in natura nos mananciais.  A água, no Brasil, é muito barata. Vivemos com a sensação de abundância. Nosso consumo é altíssimo. E os índices de perdas são elevados. Sem provocar uma mudança de cultura, continuaremos nessa mesma situação.

Quais medidas poderiam ser adotadas em favor dessa nova cultura?

Nós não temos, por exemplo, uma arquitetura voltada para o reúso. Os códigos de obras são obsoletos, precisam ser atualizados. O mesmo é válido para os equipamentos. A descarga do banheiro de um barco é bem diferente da tradicional, muito mais eficiente e com um mínimo de água na operação. Por que não pensarmos em alternativas que proporcionem economia dos recursos hídricos?

Outra questão que precisaríamos enfrentar são as ocupações irregulares, bem como a obrigatoriedade de ligação à rede de esgoto, quando esta estiver disponível. Enfim, existe um esforço permanente a ser realizado. Acredito que multas deveriam ser aplicadas como instrumento eficaz no sentido de conscientizar a população, mas o importante é que esses recursos arrecadados sejam investidos no próprio saneamento e na adequação arquitetônica para universalizar os serviços.

Na impossibilidade de o governo não ter os recursos necessários para universalizar os serviços de saneamento no país, o modelo com a participação da iniciativa privada na gestão desses serviços para garantir o tratamento de esgoto para todos pode ser uma solução?

O Estado deve ser fomentador, regulador e fiscalizador das políticas públicas, mas é incompetente para executá-las. Os serviços podem perfeitamente serem exercidos pela iniciativa privada.

A Lagoa de Araruama, no Rio de Janeiro, foi despoluída e voltou a ser piscosa após 10 anos de concessão do saneamento à iniciativa privada, que vem trabalhando na região sob a regulação de órgãos ambientais e com a cobrança de ONGs que defendem o meio ambiente. Acha possível ter mais casos de recuperação dos mananciais como esse?

Certamente. São famosas as reversões do Tâmisa, na Inglaterra, e de rios na Coreia do Sul. As áreas degradadas que temos podem ser revertidas, com investimento e uma gestão que integre a questão ambiental com as operações urbanas.

 


 

Livros publicados por Amyr Klink

livros_cem_dias_entre_ceu_e_mar

 

Cem dias entre céu e mar (1985)
Companhia das Letras

Relato da primeira travessia do Atlântico Sul em barco a remo realizada em 1984.

 

 

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Paratii entre dois polos (1992)
Companhia das Letras

Relato da viagem de 642 dias entre a Antártica e o Ártico a bordo do veleiro Paratii.

 

 

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As janelas do Paratii (1993)

Companhia das Letras

Pelas janelas de um barco faz-se o mundo passar.

 

 

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Mar sem fim (2000)
Companhia das Letras

360º ao redor da Antártica.

 

 

livro_linha_dagua

 

Linha d´água (2006)
Companhia das Letras

Entre Estaleiros e homens do mar.