Ao que tudo indica, chegou a vez do saneamento.
O setor da infraestrutura que menos recebeu investimentos nos últimos anos está se tornando uma prioridade nacional.
O brasileiro passou a perceber a gravidade de termos índices muito pouco satisfatórios de coleta e tratamento de esgoto, e hoje exige de seus governantes soluções para um problema que afeta diversos aspectos de nossa sociedade, desde a saúde pública, passando pela possibilidade de uma nova crise hídrica e até mesmo a educação e o bem-estar social.
Nesta entrevista, conversamos com o engenheiro Álvaro Menezes, um especialista de grande experiência no saneamento, para falar sobre esse novo cenário.
O entrevistado
Álvaro José Menezes da Costa é engenheiro civil graduado pela UFAL (Universidade Federal do Estado de Alagoas), com especialização em aproveitamento de recursos hídricos (UFAL) e avaliação e perícias de Engenharia (UNIP – Universidade Paulista). É diretor nacional da ABES (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental. Em maio do ano passado, tornou-se sócio executivo da GO Associados Consultoria Multidisciplinar. Nesta empresa, é responsável pelo escritório Norte/ Nordeste.
Álvaro foi gestor público no setor de saneamento durante 30 anos, ocupando na Casal (Cia. de Saneamento de Alagoas) os cargos de diretor de operações (1989-1991) e comercial (2007-2008), vice-presidente de gestão operacional (2008- 2010) e presidente (2011-2014). Na Compesa (Cia. Pernambucana de Saneamento) foi diretor técnico (1999-2006). Ocupou ainda a função de presidente do Conselho Fiscal da Aesbe (Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais), entre 2011 e 2014, e membro dos conselhos de administração da Casal (1987/1989 e 2011/2014).
Como autor, participou do livro “Água que move vidas” (2005) e do “Guia Gestão do Saneamento Básico – Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário”, editado pelos doutores Arlindo Philippi Jr. e Alceu de Castro Galvão Jr. (2011), além de colaborar com publicações nacionais e estrangeiras.
O senhor trabalhou durante 30 anos na gestão pública do saneamento e hoje atua como consultor. Na sua opinião, o que a gestão pública pode aprender com a iniciativa privada?
O aprendizado vem da capacidade que a iniciativa privada tem para aplicar os princípios de gestão, de forma a mobilizar recursos para executar o que se planeja, cumprir metas e atuar com maior agilidade na solução de problemas. Se destaca também a capacidade para racionalizar processos e tornar a produtividade uma relação de causa e efeito para melhoria contínua, além de trabalhar pela sustentabilidade da prestação dos serviços com qualidade de forma mais objetiva.
O saneamento entrou de vez na agenda de grandes projetos de infraestrutura?
É possível dizer que há uma tendência em andamento com características muito positivas. De fato, o saneamento tem a particularidade de ser um setor cujos serviços se relacionam com várias externalidades, e não se limitam a ser um eventual processo para contratação de projetos e obras. Ele tem relação direta com o que acontece nas cidades e com a qualidade de vida de todos os seus habitantes, sem exceção. Ou seja: saneamento é uma infraestrutura necessária para manter o equilíbrio do meio ambiente. O setor de saneamento tem potencial para alimentar o uso de mão de obra, tecnologias e modelos empresariais em todas as fases da cadeia produtiva, gerando resultados financeiros e empregos, além de impactar diretamente na vida de cada cidadão. Desta forma, ele é um elemento relevante para a macroeconomia e microeconomia nacionais. A oportunidade que surge agora para que se considere a inserção do setor de saneamento como parte da infraestrutura nacional pode ser vista, por exemplo, com o PPI e com o interesse demonstrado pelo Governo Federal para que os investimentos no setor estejam realmente associados à eficiência medida, controlada e comprovada em todas as etapas, para ampliar os serviços, melhorar indicadores e garantir a manutenção dos contratos de forma sustentável.
Estudos recentes da GO Associados mostram que os impactos diretos e indiretos desses investimentos gerarão na economia um fluxo de R$ 67 bilhões, incluindo os R$ 26,5 bilhões de investimento direto, R$ 18,7 bilhões de produção indireta e um efeito-renda de R$ 21,8 bilhões, reforçando o papel do saneamento para a economia neste instante.
O que falta, em linhas gerais, para o setor avançar em 2017? Maior regulação?
Algo que pode ajudar muito é deixar que o mercado de saneamento, por seus concedentes e concessionárias, tenha maior liberdade para atuar e assumir posições. Isto significa, entre outras coisas, usar as experiências nacionais para encontrar soluções técnicas, jurídicas, econômicas e gerenciais que levem a tão desejada universalização dos serviços em prazos factíveis.
É razoável considerar que os modelos de financiamento disponíveis merecem ajustes – registre-se que há ações sendo desenvolvidas tanto pelo Governo Federal como pelas associações do setor – para que o acesso a recursos financeiros seja mais simplificado.
Apesar da disponibilidade de dinheiro, a otimização do processo para seu uso necessita maior eficiência quanto a forma de apresentação dos pedidos, o tempo de análise, o controle e fluxo de liberação durante os desembolsos, as exigências de garantias e uniformidade/coerência de procedimentos entre os órgãos do Governo responsáveis pela análise, avaliação e liberação dos pedidos de financiamento.
O Norte e o Nordeste brasileiros e muitos serviços municipais vivem à espera e lutando para que os políticos de suas regiões consigam e destinem emendas parlamentares para obras de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Tal modelo, além de criar uma dependência financeiro-eleitoral, não tem possibilitado a execução de obras de boa qualidade nem levam, normalmente, a melhoria da qualidade dos serviços. É algo que merece ser revisto também no universo de medidas do Governo Federal para alavancar investimentos no setor.
Não seria o caso de maior regulação. Muito melhor seria ter mais regulação com maior qualidade. Para tanto, há um desafio marcado pelo ciclo Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) – Segurança nos modelos de contratação – Conteúdo dos contratos.
A regulação atua bem e ajuda a garantir a sustentabilidade do serviço se o ciclo está completo e bem acabado. Não ter ou ter PMSB de má qualidade e estruturar modelos de contratação que estão desconectados do PMSB ou possuem bases técnicas, econômicas e jurídicas que utilizaram dados e informações incompletos, imprecisos e inconsistentes, firmando contratos que não espelham uma clara conexão entre metas, investimentos e indicadores de controle, conduzem a conflitos com a prática da regulação.
O incentivo à participação da iniciativa privada ainda é tímido e marcado pelo receio que o governo tem de falar sobre serviços públicos gerenciados por empresas privadas como uma alternativa de melhoria. É preciso mostrar que o serviço não deixa de ser público, que a decisão de contratar empresas privadas obriga a elaboração de estudos rigorosos e maior responsabilidade para o poder público – concedentes e agências reguladoras – na gestão das obrigações definidas no PMSB e no contrato. Em resumo: mostrar que é uma alternativa legal.
Não diria que cabe ao Governo incentivar este ou aquele modelo. Antes, cabe incentivar e apoiar os modelos que possam levar à universalização em tempos factíveis e com garantia de serviços com qualidade, tarifas justas e segurança, para que se tenha sustentabilidade financeira dos contratos para privados e públicos.
“Saneamento é uma infraestrutura necessária para manter o equilíbrio do meio ambiente”
Qual é o cenário para quem trabalha na área de saneamento?
Quando comecei a trabalhar como engenheiro, em 1985, na Casal, ainda se vivia a expectativa do último suspiro do BNH – Banco Nacional de Habitação e, com ele, do Planasa – Plano Nacional de Saneamento, o que aconteceu em pouco tempo. Nessa ocasião, já surgiam os primeiros movimentos mais ativos sobre redução de perdas e seus projetos de DI – Desenvolvimento Institucional, abrindo um novo campo de atuação dentro do setor de saneamento. Mas não podemos nos esquecer que se viveu também a década perdida – 1985 até 1995 –, em função do fim do BNH e a indefinição sobre os rumos para o setor. Hoje, há uma crise que parece ser maior que as anteriores, provavelmente porque o PAC criou apenas o velho ambiente de obras e mais obras. Entretanto, em paralelo, houve avanços na implementação de modelos de prestação de serviços que privilegiam a eficiência empresarial, tanto em operadores públicos quanto privados, criando novas oportunidades para o campo da gestão, da inovação tecnológica, desenvolvimento de sistemas, soluções e pessoas.
Devemos considerar também que não se pode prescindir mais do conceito de gestão integrada de espaços urbanos ou da influência das mudanças climáticas, da seca, da crise hídrica, de tecnologias avançadas de tratamento de água e esgotos, do direito de clientes e da globalização, abrindo mais espaço para profissionais que não sejam apenas engenheiros sanitaristas como era praxe, mas profissionais com visão 360º da realidade e com formações variadas, capazes de fazer com que o setor de saneamento saia de sua caixa-preta e de fato evolua.
Poucos setores podem gerar tantas oportunidades e realizações, mesmo hoje, quanto o saneamento. A GO Associados Norte/Nordeste estuda e tem discutido oportunidades nas regiões para o uso de tecnologias como reúso de água e modelos de contrato para redução de perdas, planejamento estratégico voltado para a adaptação a ambientes de transição e mudanças no setor de saneamento.
Como o senhor vê o fato de seu estado, Alagoas, ter hoje uma das mais importantes PPPs de esgoto do país?
Estimativas do IBGE apontam para uma população urbana de quase 50 milhões no Nordeste, com índices baixos de coleta e tratamento de esgotos, elevadas perdas e muita dificuldade para captar recursos para investimentos. A realidade é muito dura na medida em que se observa haver baixo nível de investimentos financiados, tipo FGTS oneroso, enquanto se utilizam recursos próprios, quando é possível, em maior volume.
As diferenças regionais do país são transportadas para as características locais de cada Estado e suas microrregiões geográficas, climáticas, sociais e econômicas, tornando maior o desafio de estabelecer modelos aplicáveis a muitas situações. Ter capacidade de endividamento, de pagamento e de garantir financiamentos é difícil para empresas como a Casal, inserida em um ambiente de dificuldades socioeconômicas. Assim, pergunta-se: como fazer investimentos e melhorar o atendimento em condições tão adversas? As pessoas podem esperar quanto tempo para ter melhores serviços?
Portanto, ao iniciar mais um contrato de PPP, desta feita em Maceió, o Governo de Alagoas e a Casal respondem objetivamente às perguntas e confirmam que é possível unir as competências e as experiências de parceiros públicos e privados para implantar um projeto que fará com que em 4 anos, Maceió supere a marca de 60% da população atendida com coleta e tratamento de esgotos.
Sobre a PPP CAB Agreste, que se consolidou em sua gestão, teria algum comentário?
Como segunda PPP do Brasil em abastecimento de água e primeira do Nordeste, pode se considerar que, por seu caráter inovador e pioneiro na Casal, ela sofreu influências dessa condição. Todavia, até dezembro de 2015, a concessão seguia em ritmo normal e sujeita às discussões, ajustes e adequações comuns a qualquer contrato. Os resultados previstos até aquela data foram alcançados em quase sua totalidade, acabando com a falta de água na cidade de Arapiraca depois de anos de racionamento.