A imagem de crianças brincando no meio de esgotos e de lixo a céu aberto é tocante aos olhos de qualquer um. Nessa situação, além das infecções, outras doenças ainda piores prejudicam o desenvolvimento e condenam essas crianças a danos ainda mais graves e permanentes no futuro. Ou seja, provocam doenças incuráveis.
Para entender essas e outras questões relacionadas com as “enfermidades hídricas”, Canal SINDCON procurou o doutor Anthony Wong, professor e diretor do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo (SP). Ele também é embaixador do Instituto Trata Brasil (veja Box), uma organização formada por empresas com interesse nos avanços do saneamento no país. Confira.
As doenças infecciosas são as que mais chamam a atenção quando se fala em falta de saneamento. Mas o senhor diz que há outras ainda mais graves. É verdade?
Sem dúvida. No médio e no longo prazo, a falta de saneamento provoca tumores toxicológicos e malignos, ou seja, também é causadora do câncer e de doenças psicológicas degenerativas. Isso acontece pela contínua contaminação do corpo humano por substâncias químicas vindas de latas, garrafas PET, óleo de cozinha e sacolas plásticas, entre outros objetos e solventes que são lançados diariamente nos rios e nos esgotos a céu aberto. Portanto, a falta de saneamento provoca doenças ainda mais perigosas do que aquelas causadas por vírus, bactérias, insetos e até pelos ratos.
Essas substâncias químicas despejadas nos esgotos a céu aberto prejudicam principalmente as comunidades mais carentes?
Principalmente sim, mas não somente elas. Engana-se quem pensa que os impactos afetam apenas a saúde daqueles que moram nas comunidades carentes. Isso porque grande parte dessas substâncias tóxicas é volátil, ou seja, evapora levando o “problema” para uma área muito maior. Nós respirarmos esse ar contaminado pelas substâncias químicas. Não há escolha, você pode estar na parte rica ou pobre das cidades, mas você sempre será atingido por esse inimigo invisível.
A ampliação da rede de distribuição de água potável, associada ao crescimento da coleta e do tratamento de esgoto, criaria de fato um ambiente ideal para evitar mais mortes?
É isso mesmo. Estamos falando aqui em diminuição da incidência de doenças fatais. Isso é muito sério. É muito grave, porque o que mais surpreende no esgoto é o seu poder destruidor, sua capacidade de atuar em todo o território nacional e de se infiltrar em todos os níveis da sociedade.
Então, seria correto afirmar que saneamento básico é, antes de tudo, um sinônimo de medicina preventiva?
Exatamente. Veja só. Como regra geral, é possível afirmar que a imensa maioria das crianças nasce muito mais saudável, se comparadas à situação de saúde de seus pais, que já são adultos. Ou seja, conforme a pessoa vai crescendo, o ambiente em que ela vive e aquilo que ela come é que vão afetando para pior a sua saúde original. E, sabemos, é o esgoto a céu aberto o principal causador do desbalanceamento do nosso ambiente. Portanto, esse é nosso grande inimigo.
Então, também seria também correto afirmar que sem saneamento fica impossível a população ter uma qualidade de vida decente?
Eu digo que o saneamento é tão ou mais prioritário do que a educação. E não estou exagerando. Uma pessoa doente não consegue estudar, não consegue aprender, não produz e ainda gera custos para o tratamento de doenças que seriam evitáveis caso houvesse mais vontade política a respeito do saneamento. Cada dólar investido nisso gera dezenas de vezes o seu valor em economia no tratamento de enfermidades e em diminuição de faltas no trabalho, por exemplo. Ainda temos muitos desafios a enfrentar.