Julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade pelo STF em novembro e novos leilões do BNDES são principais destaques até o fim de 2021

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Um ano após a aprovação do novo marco regulatório do setor de saneamento, o segmento vive um novo momento. Mais de R$ 60 bilhões em investimentos foram viabilizados em leilões sob a nova legislação, com a atração de novos players. Mas ainda falta avançar na solução de alguns pontos trazidos pela lei 14.026 de julho de 2020, que estabelece que a universalização dos serviços de água e esgoto deverá ser atingida até 2033.

No fim de novembro, o Supremo Tribunal Federal deverá julgar Ações Diretas de Inconstitucionalidade que poderão reforçar o entendimento legal do recente arcabouço regulatório. Outro desafio será fazer as cidades entenderem que, agrupadas em blocos regionais, têm mais valor que se participassem de processos individuais.

Esses foram os principais pontos levantados nos debates do sexto e último episódio da websérie “Desafios da Implementação do Novo Marco Legal do Saneamento Básico”, que foi realizado no dia 14 de setembro pela ABCON SINDCON e pela Abdib no YouTube.

“A perspectiva é muito positiva, demoramos muito para dar essa virada, mas o novo marco regulatório é uma realidade. Com o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade, o entendimento sobre as novas regras deve se tornar ainda mais claro. Estamos em um caminho que podemos realmente superar obstáculos que estão há décadas para serem ultrapassados”, frisou Venilton Tadini, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib). “Temos um arcabouço ainda a ser construído e temos de avaliar como o Poder Judiciário irá se manifestar sobre essa nova regulação. A manifestação do Judiciário sobre a Lei 14.026/2020  é um passo para confirmar a regulação que criou novas bases para o setor privado”, afirmou Percy Soares Neto, Diretor Executivo da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON SINDCON) .

A aprovação do marco regulatório do saneamento básico criou as bases para avançar na agenda da universalização dos serviços de água e esgoto, disse Teresa Vernaglia, presidente do Conselho de Administração da ABCON SINDCON. Para ela, agora a prioridade é fortalecer a regulação. “Ainda persistem algumas inseguranças e alguns questionamentos jurídicos sobre a lei, que tramitam no Poder Judiciário, o que mostra que temos um trabalho a fazer. Também será preciso rever alguns pontos do decreto de capacidade econômico-financeira para que todo o setor possa ter condições para atingir a universalização do saneamento.  A questão da ANA é essencial para criar a uniformização de padronização de regulação”, destacou a executiva.

O decreto publicado em maio que estabelece critérios para medir a capacidade econômica e financeira dos operadores públicos de saneamento realizarem investimentos de forma a atingir a universalização dos serviços de água e esgoto conforme previsto na Lei 14.026/2020 foi apontado como um desafio. Um ponto de preocupação em relação ao decreto é a regra que limita a 25% dos valores de contratos das concessionárias estaduais acordos de subdelegação na forma de subconcessão, parceria público-privada ou outra modalidade legalmente admitida. Isso limitaria as companhias estaduais de firmarem PPPs para avançarem rumo à universalização dos serviços de água e esgoto.

Para André Galvão, chefe de gabinete da Secretária Nacional de Saneamento Básico do Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR), o marco regulatório buscou trazer mais clareza na governança do setor. Uma das inovações da Lei 14.026/2020 é que a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) deverá criar normas de referência a serem seguidas pelos entres reguladoras presentes nos Estados e municípios. Hoje existem 74 agências regulatórias infranacionais no País, um número que tende a crescer com o avanço dos investimentos privados. O desafio da ANA será trazer homogeneidade de conceitos e parâmetros para as agências. Na questão de reequilíbrio econômico-financeiro de contratos, por exemplo, uma agência arbitrou a discussão em cinco meses enquanto outra demorou 56 meses.

Trazer novos modelos de regulação, com metas definidas, capacitar as agências infranacionais são grandes desafios, assim como assegurar a independência decisória e política. “Havia uma confusão, em Santa Catarina, existiam cinco agências diferentes e a concessionária local tinha um custo para atender regulações que mudavam quando se ia de uma cidade para a vizinha, mesmo que distantes poucos quilômetros”, disse. Por isso, a agência está trabalhando na estrutura de governança do setor. Um ponto da nova legislação estabelece que a ANA trabalhe em medidas de padronização regulatória. A adesão às normas de referência a serem definidas pela agência federal é voluntária, mas as instituições que não seguirem as regras estabelecidas pela ANA poderão ficar sem acesso a recursos federais.

Estudo da Associação Brasileira de Agências de Regulação (Abar) feito em parceria com o Instituto Trata Brasil avaliou a percepção das agências sobre o novo marco regulatório e o papel da ANA. A pesquisa, que contou com 143 respostas recebidas de 48 agências, apontou que a interferência política é um desafio de extrema relevância para 69% dos dirigentes e 84% dos reguladores. A sondagem ainda indicou que um terço dos reguladores disse não estar preparada para as determinações do novo marco regulatório – a maioria apontou que apresenta condições de cumpri-lo.

Galvão destacou que a regionalização é um dos pilares do marco regulatório. “Quase todos os Estados já aprovaram leis ou encaminharam projetos de lei para suas assembleias para tratar do tema”, disse. Para Galvão, o marco também buscou tornar mais clara a responsabilidade sobre a universalização dos serviços de água e esgoto. “Antes da legislação, havia confusão, muitos contratos de programa não possuíam metas ou investimentos, não havia critérios mínimos de avaliação, isso criava um problema: como cobrar se não havia dados para serem cobrados? Sem meta, havia dificuldade de cobrar”, afirmou. Para ele, o leilão de serviços de água e esgoto no Amapá, realizado no início de setembro, mostrou que a nova legislação tem sido exitosa em definir responsabilidades e atrair interessados. O vencedor do leilão apresentou valor de outorga de R$ 930 milhões e desconto de 20% sobre a tarifa. O ágio foi de 1.760% sobre o valor de referência. O prazo do contrato é de 35 anos de operação do sistema e o projeto prevê R$ 3 bilhões em investimentos. “O Amapá está na região Amazônica, em região pouco adensada, com várias áreas rurais, o sucesso mostra que o marco foi criado para superar os obstáculos que existiam. São R$ 60 bilhões de investimentos só com leilões realizados sob essa nova perspectiva de regulação.”

Estudo da ABCON SINDCON, publicado em julho, revela um salto na presença da iniciativa privada no setor. Nos últimos anos, antes do novo marco legal entrar em vigor, a participação das operadoras privadas havia sido pouco alterada. Hoje, essas empresas atendem de forma plena ou parcial, de acordo com o modelo de concessão observado em cada município, 15% da população do país (32,5 milhões de pessoas); elas estão presentes em 7% dos municípios. Considerados os recentes leilões das companhias Casal (Alagoas), Sanesul (Mato Grosso do Sul), Cedae (Rio de Janeiro) e do município de Cariacica (ES), as operadoras privadas passam a atender direta ou indiretamente 17% da população. A expectativa da entidade é que elas possam atingir ao menos 40% até 2030.

Ações Diretas de Inconstitucionalidade e Segurança Jurídica

As possibilidades de retrocesso legal estão no radar das empresas e instituições de classe na medida em que há Ações Diretas de Inconstitucionalidade apresentadas no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando regras na Lei 14.026/2020 É o caso da competência estadual organizar as unidades regionais para a prestação dos serviços de saneamento e a governança pública em torno delas.

Esse tema foi debatido no primeiro painel do evento. Os participantes apontaram que a atenção do setor estará voltada em 24 de novembro, quando o STF se reunirá para julgar duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade sobre controvérsias em torno da regionalização, um dos pilares da nova legislação.

A diretora do Ministério da Economia mostrou-se otimista quanto ao desfecho do julgamento das ADIs no STF. Ela considera que, baseado nas experiências práticas e decisões já tomadas pelo STF, os questionamentos não devem prosperar. Um dos questionamentos é sobre uma possível violação ao federalismo. Ela disse que não se justificam críticas ao modelo de regionalização por causa do fim do subsídio cruzado, prejuízo à universalização e à modicidade tarifária. “Essas estruturas (regionais) vêm justamente para buscar conglomerados para ter viabilidade econômica para que todos os municípios possam ser atendidos”, apontou, lembrando que a adesão é facultativa aos municípios e há uma visão coordenada de um ente central, que tenha visão holística para que o serviço seja levado a todos. Para ela, outro argumento apresentado, uma possível violação à autonomia municipal, já foi enfrentado anteriormente, consolidando regra que a competência do município não pode ser usada como um bloqueio para outras finalidades que são comuns.

Rafaella Peçanha também analisou o questionamento sobre a competência da ANA de editar normas de referência, reclamando que a ANA estaria cerceando a atuação das agências reguladoras locais a partir de um caráter vinculante ou obrigatório. Para ela, a publicação da primeira norma de referência pela ANA foi produzida por meio de um processo dialogado e de construção com o coletivo, uma norma de indução que não impõe, “mas que busca provocar uma ação concertada entre os diferentes entes”. “A própria experiência empírica e o desdobramento do próprio marco regulatório vêm mostrando que os argumentos centrais destas ADIs serão superados”, disse.

Segundo Wladimir Ribeiro, advogado especializado em Resíduos e Saneamento Básico da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Advogados, a questão mais ampla é que essas ações trazem o questionamento do modelo de governança a ser adotado nas regiões, o que nas análises para empresas é apontado como um motivo de receio para novos investimentos. Rafaella Peçanha Guzela, diretora na Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia, destacou que o setor tem um desenho de atribuições bastante complexo, talvez o mais complexo da infraestrutura, com competências às vezes pouco claras na Constituição. “Isso demanda um federalismo cooperativo, com diálogo e ação coordenada entre os diversos entes da Federação.”

O advogado Rodrigo Bertoccelli, sócio da Felsberg Advogados, apontou que algumas das Ações Diretas de Inconstitucionalidade, como a que contesta o processo de licitação realizado na Região Metropolitana de Maceió (AL), se refere à governança das decisões, o compartilhamento de informações e a isonomia entre os entes federados.

Eduardo Isaias Gurevich, Sócio da Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados, destacou que o STF deverá julgar em 24 de novembro duas dessas ADIs, o que poderá tornar claro o entendimento da Corte sobre o assunto e dirimir dúvidas, dando ainda mais consistência ao novo marco regulatório. “As ações não me impressionaram, vejo uma judicialização por espírito político, não vejo consistência jurídica nelas. Não estou preocupado. Vê-se que na região metropolitana há uma cotitularidade. O que nenhuma lei trouxe é a definição do que é interesse comum e local, esse contorno é complexo.”

BNDES trabalha em três projetos até fim de 2021

Rogério Tavares, coordenador do Comitê de Recursos Hídricos e Saneamento Básico da Abdib, ressaltou que o tema da regionalização é essencial no marco legal, pois traz a possibilidade de ganho de escala e busca de equidade na prestação dos serviços de água e esgoto no Brasil. “A ideia da regionalização é um dos eixos centrais na nova lei, pois a solução em escala neste setor é essencial para dar viabilidade econômica, para incluir aqueles que normalmente poderiam ficar de fora do interesse de algum operador público ou privado”, disse. “Com esse modelo de regionalização, conseguimos incluir todos. O importante é isso, incluir a todos da população brasileira, levar dignidade a todos através da prestação adequada e universalizada de e serviços de água e esgoto”, concluiu.

Avançando sobre o tema da regionalização e da estruturação de projetos, Cleverson Aroeiro, superintendente do BNDES, destacou que três exemplos recentes mostraram o êxito do modelo regional. O primeiro foi o leilão da região metropolitana de Maceió, que contemplou 13 cidades de Alagoas e atribuiu ao estado a promoção da concessão. O investidor assumiu o compromisso de pagar uma outorga fixa de R$ 2 bilhões e investir R$ 2,6 bilhões em infraestrutura ao longo do período de concessão, sendo R$ 2 bilhões já nos seis primeiros anos. “Esperamos que a discussão jurídica não atinja o certame, que trouxe grandes avanços”, afirmou.

O segundo leilão foi o da Cedae, concessionária do Rio de Janeiro. Em abril, foram concedidos três blocos. “Eram 64 cidades, conseguimos a adesão de 35, mas o bloco 3 sairá em breve e contará com cidades que não quiseram participar do primeiro leilão. É importante que os prefeitos entendam que as concessionárias têm ganhos de escala com blocos regionais e que eles têm de analisar que o todo é maior que a soma de indivíduos”, disse o executivo do BNDES.

O terceiro exemplo exitoso foi o do Amapá, concedido no início de setembro. “São R$ 3 bilhões de investimentos, uma outorga de R$ 930 milhões e um investimento extra de R$ 880 milhões, então falamos de R$ 5 bilhões. A cidade de Macapá poderia ter adotado uma visão simplista e dizer que não iria carregar o resto dos municípios, mas não fez isso e permitiu esse resultado muito bem-sucedido. As cidades agrupadas valem muito mais”, concluiu.

Nos próximos meses, o BNDES deverá lançar editais de mais negócios envolvendo estados e cidades. Em breve, deverá ser divulgado o edital dos blocos B e C de Alagoas, com estimativa de R$ 3,8 bilhões em investimentos e atendimento de 2,2 milhões de pessoas. São 89 cidades. “Mas veremos quantas irão aderir quando o edital estiver concluído”, disse Aroeiro. O bloco 3 do Rio de Janeiro, cuja estimativa de investimento ainda está sendo fechada e deve atender a 3 milhões de pessoas no Estado, deverá contar com cidades que não quiseram aderir na primeira etapa. “Deverá ser lançado nesse quarto trimestre”, afirmou.

Aroeiro disse que o BNDES trabalha para que seja lançado em breve também o edital da parceria público-privada (PPP) da Região Metropolitana de Fortaleza e Cariri, com investimentos de R$ 6,4 bilhões e uma população de 4 milhões de pessoas. “Esse é um grande negócio”, destacou. O banco está também mantendo um intenso diálogo com a prefeitura de Porto Alegre para a concessão de serviços de água e esgoto na capital gaúcha, que poderá contar com estimativa de investimentos de R$ 10,8 bilhões. “Deverá sair nos próximos meses”, afirmou. Outro projeto em estudo é na Paraíba, que poderá reunir várias cidades, atender a 2 milhões de pessoas e somar R$ 4 bilhões em investimentos. “E estamos começando o processo em Minas Gerais, a princípio com o Vale do Jequitinhonha, mas queremos multiplicar”, explicou.

Cayetano Gaspar, gerente de Desenvolvimento de Negócios da Acciona, disse que um desafio é obter a união de todos em um bloco regional e essa junção de forças para resolução de problemas. “Haverá cidades que não irão aderir a ideias coletivas, esse é um desafio”, apontou. Ele também ressaltou que todos estão de olho no prazo de 31 de março de 2022, referindo-se à data prevista no decreto publicado em maio de 2021 que estabelece critérios para medir a capacidade econômico-financeira dos operadores de saneamento para realizarem investimentos em quantidade suficiente para cumprirem a universalização dos serviços de água e esgoto conforme previsto na Lei 14.026/2020.

O decreto estabeleceu avaliação em duas etapas da capacidade econômico-financeira das companhias estaduais e dos operadores privados que aditarem seus contratos para atendimento das metas previstas na legislação. Passada a primeira etapa, que se encerra em dezembro, a legislação estabelece uma segunda: análise de adequação dos estudos de viabilidade e do plano de captação até 2033, sendo que esses dados têm de ser apresentados à agência reguladora local e certificados. Para essa fase, as empresas têm de ser aprovadas até 31 de março de 2022. “Aí podemos ter novas relações nos contratos, com avaliações diferentes das companhias estaduais, haverá um trabalho de analisar informações, teremos uma engenharia de processos a enfrentar”, destacou o executivo.

Para Bernardo Tavares de Almeida, head de PPP do IFC no Brasil, o ponto de partida dos projetos deve ser reunir o maior número de participantes, buscando fazer com que todos adotem uma visão ampla sobre o processo. “A soma de todos é maior que a soma de cidades isoladas e contribui inclusive para uma melhor estrutura tarifária e um pragmatismo mais equilibrado. O que se pode pensar para atrair adesões é ter estruturas de outorga diferenciadas para algumas cidades que possam ter maior ou menor papel dentro da região.”

 

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