A centenária Vila da Barca passa a receber água tratada após a Aegea antecipar obras por causa da conferência mundial em Belém, onde menos de 20% da população tem acesso à rede de esgoto

A Vila da Barca, comunidade centenária construída sobre palafitas, é o “marco zero” das operações da companhia de saneamento Aegea em Belém. Localizada na região central da cidade, abriga cerca de 5 mil moradores, que passaram a receber água tratada após a companhia antecipar as obras por causa da COP-30. Embora a conferência tenha servido de impulso, o caminho ainda é longo: menos de 20% da população da capital paraense tem acesso à rede de esgoto.

Desde 1º de setembro, a Águas do Pará, controlada pela Aegea, opera o saneamento em Belém, Ananindeua e Marituba. A concessão foi antecipada em alguns meses para promover melhorias diante do aumento da demanda durante a COP-30. Enquanto isso, ainda é comum identificar vazamentos de esgoto pelas ruas da cidade, mesmo em regiões mais nobres.

Belém é a quarta pior colocada entre as 27 capitais brasileiras no Ranking do Saneamento 2025, elaborado pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a GO Associados. Apenas Rio Branco (AC), Macapá (AP) e Porto Velho (RO) têm desempenho inferior.

O resultado da capital paraense é impactado principalmente pelo esgoto, cuja cobertura é de 19,88%, segundo o edital de concessão. No abastecimento de água, porém, o índice é mais alto, chegando a cerca de 95%.

A Vila da Barca passou a integrar essa estatística recentemente. A comunidade foi incluída no primeiro ciclo de investimentos da Aegea no Estado. Os aportes dessa etapa inicial somam cerca de R$ 220 milhões, sendo R$ 144 milhões até novembro, mês do evento, e o restante ao longo do primeiro semestre de 2026.

A empresa tem realizado intervenções para ampliar o abastecimento da água nos três municípios, mas, na capital, tem concentrado esforços na comunidade.

Os primeiros resultados são visíveis ao caminhar pelas passarelas de madeira que cruzam as palafitas. Por baixo das tábuas, os canos recém-instalados distribuem água tratada para as cerca de 680 residências.

Por causa da variação da maré e da instabilidade do solo, as tubulações não podem ser enterradas, como ocorre em áreas convencionais. Foram, então, fixadas às estruturas das casas, reduzindo o risco de contaminação e vazamentos.

O presidente da Associação de Moradores da Vila da Barca (AMVB), Gerson Bruno, lembra que, antes das intervenções, o abastecimento era irregular e as ligações improvisadas corriam junto à lama. “A água já não era boa, e quando misturava com a do rio, piorava. Os moradores precisavam disputar o pouco que tinha. Agora chega limpa e com pressão suficiente para atender a comunidade”, conta.

Desconfiança sobre o legado da COP-30

Como costuma ocorrer em grandes eventos, há desconfiança sobre o real legado da COP-30. Em Belém, o ceticismo é ainda maior, diante dos déficits históricos em áreas como mobilidade urbana, moradia e saúde. Mesmo assim, Gerson Bruno não vê as melhorias na Vila da Barca como uma “maquiagem” para o evento.

“Quem fala isso é porque não vive a nossa realidade”, afirma. “Temos muitos problemas, que não romantizamos, mas a comunidade cobra, busca soluções e depois de mais de 100 anos, estamos finalmente vendo resultado”, afirma o líder comunitário.

Até o momento, foram implementados 2,3 quilômetros de redes de água elevadas, uma nova adutora e uma estação de bombeamento na Vila da Barca. As obras para instalação do sistema de esgoto estão em andamento e devem ser concluídas até abril de 2026.

O vice-presidente regional da Aegea para o Norte e Nordeste, Renato Medicis, destaca também as melhorias em mais de 30 poços e o aumento da capacidade das estações de tratamento ao redor de Belém. “Em tão pouco tempo já deu para ver mudança. Acho que essa é a primeira semente de um grande legado que vai ficar para o Pará”, diz o executivo.

As metas que desafiam a Águas do Pará

A Águas do Pará será responsável pelos serviços de água e esgoto em 126 cidades do Estado. Estão previstos mais de R$ 18,7 bilhões em aportes durante os 40 anos de contrato. Até 2033, a meta da concessionária é alcançar 99% de abastecimento de água e 90% de esgoto nos municípios da Região Metropolitana de Belém e do arquipélago do Marajó. Nas demais regiões do Estado, a universalização está prevista para 2039.

Segundo Médicis, a experiência da Aegea em cidades já universalizadas, como Campo Grande (MS), serve de referência para o avanço no Pará. Em Barcarena, município paraense onde a empresa atua desde 2014, os serviços já atingiram 98% de cobertura de água e 90% de esgoto tratado, tornando-se o primeiro do Estado a alcançar esse patamar.

O avanço do saneamento tem impacto direto na saúde, economia e meio ambiente, afirma a diretora executiva da Abcon Sindcon, Christianne Dias. “As pessoas adoecem e acham normal, mas essas doenças resultam da falta dos serviços de água e esgoto”, diz.

Christianne ressalta ainda que o setor gera empregos locais, estimula o desenvolvimento e reduz a poluição dos rios. “O tratamento de esgoto é a maior e melhor medida ambiental que existe, por evitar o despejo direto nos rios e reduzir emissões”.

A repórter viajou a convite da Motiva, idealizadora da Coalizão pela Descarbonização dos Transportes

Matéria do Estadão