Cinco anos após a publicação da nova lei do saneamento, o mercado privado de água e esgoto prevê chegar à metade dos municípios do país em 2026, segundo dados da Abcon (Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto).

As empresas, que em 2020 estavam presentes em 7% das cidades por meio de concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs), devem terminar este ano em 39,4% delas, considerando também os leilões que ainda devem ser realizados até dezembro. Contando com as licitações programadas para 2026, a participação privada poderá chegar a 49,7%, segundo a projeção, que considera apenas os projetos com cronograma já estabelecido.

Neste ano, o setor já teve dois leilões de grande porte – o de três blocos no Pará e o de duas PPPs no Espírito Santo – e há previsão de mais três licitações relevantes.

Uma delas, marcada para 5 de agosto, é do Bloco C do Pará. O contrato foi ofertado em abril, junto a outros três lotes, mas não atraiu interessados e agora passará por nova tentativa. O projeto prevê R$ 3,6 bilhões em obras. Além disso, até o fim do ano deverão ser leiloados mais dois lotes em Pernambuco, que somam R$ 18,9 bilhões de investimentos.

Para 2026, diversas novas concessões estão previstas, como a de Rondônia, com previsão de R$ 4,4 bilhões de obras; a de Goiás, que deverá gerar R$ 5,5 bilhões de investimentos; e a do Rio Grande do Norte, com outros R$ 4,6 bilhões previstos. Há ainda expectativa de que o governo paulista licite quatro PPPs, que deverão movimentar em torno de R$ 30 bilhões.

Apesar do avanço do calendário de leilões, empresas e analistas do setor apontam diversos desafios para que os investimentos se concretizem, como a dificuldade de financiamento e os gargalos na cadeia de suprimentos.

Para Ewerton de Souza Henriques, sócio da SH Consultoria, o cenário de crédito é uma grande preocupação para projetos novos. “Além do custo alto, há essa forte instabilidade, a crise global. Então a taxa de juros uma hora está caindo, de repente está subindo de novo. Fica difícil estabelecer parâmetros de quais serão as taxas em seis meses, um ano.”

Ainda assim, ele acredita que haverá interesse nos próximos leilões. “É difícil que falte interessado. Tem alguns grupos consolidados com apetite e há uma movimentação de empresas mais novas no setor. O mercado sabe que esta é uma janela que está se fechando cada vez mais.”

Luiz Gronau, sócio da A&M Infra, também avalia que o mercado está movimentado para os leilões. “Existe uma expectativa de melhora da situação macroeconômica, em curto ou médio prazo. Como são concessões de longo prazo, há perspectiva de retornos interessantes”, afirma.

Em relação aos leilões deste ano, ele afirma que o Bloco C do Pará ainda gera incertezas, por ser o mais desafiador do Estado, mas que a licitação de Pernambuco tem gerado bastante interesse. “Por mais que esta seja uma concessão parcial, em que a companhia estadual continua responsável pela produção de água, é um modelo que segue o do Rio de Janeiro, de Alagoas, que o mercado já conhece. Tem atratividade, porque é um processo bem claro. E serão dois blocos, sem impedimento de que um grupo leve os dois”, diz.

“O projeto de Pernambuco é muito grande, talvez o maior depois da licitação da Cedae [no Rio de Janeiro], então exige um certo porte dos participantes, mas pode ter novos grupos”, afirma Fernando Vernalha, sócio do Vernalha Pereira Advogados, que apoiou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na modelagem.

Para ele, a estruturação dos contratos avançou nos últimos dois anos, e passou a incorporar mecanismos que reduziram riscos e facilitaram a atração do setor privado. “Hoje, tem dois riscos importantes. Tem a alta de juros, que é algo que, dentro do ciclo de vida do projeto, tem formas de mitigação. Já temos visto leilões competitivos com o cenário de alta de juros. E tem a questão da inflação dos insumos, mas houve um avanço no compartilhamento de riscos dos contratos, para a alta de preços.”

Outro desafio observado por analistas é a cadeia de fornecimento. “Há hoje uma grande dificuldade para achar insumos, isso tende a encarecer e dificultar o plano de investimentos a ser executado”, afirma Henriques.

Gronau também aponta um gargalo na cadeia de suprimentos do setor. “Está cada vez mais difícil. São muitos Estados buscando a mesma matéria-prima, tubulação, mão de obra. Ainda é preciso que essa cadeia de fornecimento evolua, e isso não tem acontecido no mesmo ritmo [das licitações]. Há bastante preocupação em relação a isso.”

Além desses fatores, Christianne Dias Ferreira, presidente-executiva da Abcon, aponta que o setor enfrenta uma série de problemas decorrentes da agenda legislativa. O primeiro é a reforma tributária, que deverá gerar uma onda de reequilíbrios de 4 mil contratos, segundo ela.

Além disso, a recente lei da tarifa social ampliou o direito às isenções, o que também deverá demandar uma revisão da equação das concessões. “E agora vem também o desafio da taxação das debêntures incentivadas [estabelecida em Medida Provisória], que têm sido uma forma de financiamento significativa”, diz.

Para ela, hoje o maior desafio do setor é seguir relevante na agenda política. “Se o saneamento não for prioridade, essas pequenas medidas vão minando o novo marco legal. É algo que já vemos acontecer. Se todo dia tem uma medida que impacta os contratos, justamente em um setor que não está universalizado, não teremos os avanços esperados.”

Fonte matéria/imagem: Valor Econômico